quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A PROPÓSITO DO CENTENÁRIO DO TEATRO CLUB DE ESPOSENDE


A PROPÓSITO DO CENTENÁRIO DO TEATRO CLUB DE ESPOSENDE
A ASSEMBLEIA ESPOZENDENSE
ALGUMAS NOTAS (1878)


Por: Manuel Albino Penteado Neiva


Em 1893, na Tipografia do Povo Espozendense foram editados os Estatutos da Assembleia Espozendense os quais tinham sido aprovados por Alvará do Governo Civil de Braga em 28 de Agosto de 1879.
Cumpria-se assim o estipulado na Acta de 16 de Outubro de 1878 que dava conta da reunião que se realizou na Câmara Municipal de Esposende e que criava estatutariamente a Assembleia Espozendense. Constituiu-se, então, uma Direcção formada pelo Dr. José da Silva lopes Cardoso, José Maria Taborda e João Felix de Miranda Magalhães, respectivamente Director, Secretário e Tesoureiro.
Na mesma altura foram delegadas competências para alugar uma casa que servisse de sede assim como a aquisição da respectiva mobília.
Foram 23 os sócios fundadores, de entre os quais constavam as seguintes famílias esposendenses - Miranda Magalhães, Pereira Barros, Rodrigues Viana, Miranda Sampaio, Lopes Cardoso, Leão de Vasconcelos, Vilas Boas Ribeiro, Faria Vivas, etc. De entre várias personalidades queremos destacar os nomes de Manuel Joaquim de Boaventura - não o escritor, mas sim seu tio, José Maria Cézar de Faria Vivas, o P.e Carlos Maria de Passos Pereira Maciel e o P.e Manuel Rodrigues de Areia Torres.
Esta Assembleia tinha como finalidade única a “honesta convivência de sócios[1] que pagavam inicialmente uma quota mensal de 200 reis. Esta quota foi aumentada em reunião de 2 de Maio de 1889 para 300 reis e, mais tarde, passou a ser 500 reis[2]. Como actividade lúdica constava no Capítulo 5, art.º 24 e 25 “o jogo de bilhar e qualquer outro jogo lícito, já de cartas, já de tômbola “, “haverá um gabinete de Leitura, no qual serão expostos os periódicos nacionais “. Não era permitida a discussão sobre assuntos políticos ou religiosos, assim como a apreciação de qualidades pessoais.
Poder-se-à dizer que, pouco a pouco, a Assembleia Espozendense, se transforma numa espécie de casino e onde famílias de “bons costumes”, já tinham dificuldade em se integrar e frequentar.
A vida da Assembleia torna-se problemática. Construiu-se um magnífico edifício – O Teatro Clube[3] que albergou durante anos a Assembleia Espozendense mas, desde muito cedo os problemas começaram a surgir[4]. Dificuldades económicas, problemas de enquadramento social, vícios típicos de clubes, afastamento de sócios por desacordo com as práticas seguidas, levaram a que, desde logo, se gerasse um clima de contestação no seio daquela associação.
Poder-se-à dizer que, pouco a pouco, a Assembleia Espozendense se transformou numa espécie de casino clandestino. Torna-se num espaço cuja frequência não era aconselhável a famílias, muito menos famílias com determinados princípios morais.
Em 11 de Janeiro de 1914 foi apresentada à Assembleia-Geral uma proposta de dissolução da Assembleia tendo por base o Art.º 28 dos seus Estatutos.
Nessa proposta eram apresentadas várias razões para tal desiderato, entre as quais “… que a chamada gente grada desta vila abandona por completo esta casa; que semelhante abandono só se explica por má vontade, quer da Direcção, quer aos raros sócios que habitualmente frequentam a Assembleia”. Deixa-se transparecer que, nessa época, os usuais frequentadores desse espaço eram de conduta duvidosa, não eram sócios e somente estavam interessados em praticar o jogo “… constituindo um perigo para a economia indígena”. Embora a Assembleia fosse “possuidorade um belo edifício, confortável, com “uma sala de leitura e uma biblioteca” que deveria ser motivo para atrair a frequência, era, ao contrário, um ponto de encontro a evitar. Estas atitudes contrariavam totalmente o espírito do parágrafo único do Art.º 1 dos Estatutos.
O abandono dos sócios era diário. Uns simplesmente se recusavam a frequentar a Assembleia outros, numa atitude mais radical, riscavam o seu nome da lista de associados.
Através da proposta apresentada chega-se à conclusão que se estava a “cavar a ruína de alguns esposendenses”. As quotas eram demasiado pesadas e até aqueles que eram mais abastados se recusavam a pagá-las.
Terminava o texto da proposta nos seguintes termos: “ que seja extinguida a sociedade, e que, para honrar a glória desta geração do ano da graça de 1913, se mande exarar na acta desta sessão o conteúdo desta proposta, que dá o testemunho de um nobre exemplo de conduta e demonstra a pacatez dos boné esposendenses deste tempo que acima de tudo, põem as suas comodidades, o aconchego do seu lar, e procuram de uma maneira severa e antiga viver na doce e patriarcal vida de família, renunciando a todos os prazeres mundanos![5].
É claro que esta tomada de posição de acabar com a Assembleia Esposendense, embora compreendida por muitos, era para alguns ilustres esposendenses o acabar com um sonho, com uma instituição que fazia falta à sociedade esposendense. Alguns ainda tentaram dar-lhe vida e alma embora se tivesse revestido numa tarefa árdua que conduziu ao desânimo. Ilustra esta vontade uma carta do Dr. Alexandre Torres[6], datada de 8 de Março de 1917, na qual confessava “ … reconhecendo a minha incompetência para continuar no exercício do cargo de director dessa Assembleia, que aceitei solicitado, comunico a V. Ex.ª para os devidos efeitos que dela me considero desde hoje exonerado. Espero dever a V. Ex.ª o obséquio de ordenar a eliminação imediata do meu nome como sócio, comprometendo-me a satisfazer desde já qualquer quota que, por esquecimento do empregado ainda deva e bem assim a do corrente mês. Não quero perder a oportunidade de significar a V. Ex.ª a minha gratidão profunda pelas imerecidas deferências com que sempre me honrou, sendo-me grato afirmar que V. Ex.ª em nada concorreu para esta minha inabalável resolução. Se alguma falta cometi para com V. Ex.ª espero ma relevará por involuntária. Esposende 8 de Março de 1917. Alexandre Torres.
Valentim Ribeiro da Fonseca Júnior apressou-se a responder ao ilustre Dr. Alexandre Torres e numa sua carta de 9 de Março desse mesmo ano, em que acusava a recepção do pedido de demissão, afirmando que Alexandre Torres era um Homem competente para o cargo pois, se assim não fosse, não teria sido eleito por todos os sócios da Assembleia. Valentim Ribeiro informava o Dr. Alexandre Torres de que se “ … julgava incompetente para aceitar a exoneração que deveria ser participada ao Presidente da Assembleia-Geral”. Nada, e ninguém, conseguiu demover o Dr. Alexandre Torres em cujas cartas denotava alguma “agressividade” em relação aquela instituição. Teve, no entanto, a preocupação de fazer esta transição de direcção com alguma cautela e serenidade, dando algumas achegas ao Secretário na forma como este deveria convocar a Assembleia-geral pois, com a sua demissão, competia ao Tesoureiro e ao Secretário, por imposição estatutária (Art.º 17, n.º 1), convocar a Assembleia-geral[7].


[1] - Art. 1, Parágrafo Único, do Cap. I
[2] - Documento manuscrito anexo aos Estatutos da Assembleia.
[3] - Para a história deste edifício aconselhamos a leitura de:
FONSECA, João Paulo Ribeiro – Valentim Ribeiro da Fonseca: Nas ondas da Vida, Esposende, 2005.
[4] - “…decorridos que foram apenas três anos depois de inauguradas as novas instalações em 1911, Valentim Ribeiro da Fonseca desiludido e agastado com os seus consócios que persistiam em não aproveitar convenientemente os magníficos cómodos que lhes tinham sido disponibilizados, faz uma proposta à Assembleia Geral para a dissolução da instituição” – in “Valentim Ribeiro da Fonseca: Nas ondas da Vida”.
[5] - Manuscrito da PROPOSTA apresentada à Assembleia-geral da Assembleia Esposendense em 11 de Janeiro de 1914.
[6] - O Dr. Alexandre Torres era, na Altura, Director da Assembleia Esposendense. O Secretário da Direcção era Valentim Ribeiro da Fonseca Júnior.
[7] - Cartas inéditas de Alexandre Torres para Valentim Ribeiro da Fonseca e deste para aquele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário