domingo, 11 de abril de 2021

O GOVERNADOR-GERAL DO BRASIL, TOMÉ DE SOUSA, E AS SUA LIGAÇÕES A ESPOSENDE

 

O GOVERNADOR-GERAL DO BRASIL, TOMÉ DE SOUSA, E AS SUA LIGAÇÕES A ESPOSENDE

 

Manuel Albino Penteado Neiva


Já escrevemos sobre Tomé de Sousa (I Congresso Internacional Tomé de Sousa, Julho, 2019) a propósito deste ter sido nomeado, a 7 de Janeiro de 1549, o primeiro Governador-Geral do Brasil e, em resultado disso, ter fundado e fortificado, a 29 de Março desse ano, a Cidade do Salvador. Pretendemos, além de recordar os seus feitos e a sua ligação umbilical à Baía, ligá-lo, também, à história de Palmeira de Faro e de Esposende.


Como escreveu Jorge Amado, foi Tomé de Sousa quem quis manter o nome de Salvador à cidade, contra um povo que, assumindo as suas raízes de sangue índio e sangue negro sempre a chamou com “o doce nome de Baía”. Explica ainda que os então cristãos portugueses quiseram colocá-la sob patrocínio de Jesus – a Baía de Todos os Santos – mas, dizia Amado, - “somos um povo misturado, com sangue índio e muito sangue negro, e o nosso primitivismo ama os nomes pagãos tirados da natureza em torno”.

Oriundo de famílias vizinhas de Esposende, e com ramos nesta terra, é natural que Tomé de Sousa por aqui estendesse as suas influências e interesses económicos.

O seu nome aparece ligado à criação da Fazenda Régia em Esposende por ordem de D. João III, em 1542, e na armada que o levou ao Brasil, integrando marinheiros da ribeira Cávado, mas antes de partir, em 1541, assumiu o senhorio da importante Honra de Palmeira de Faro.

Com efeito, a Alfândega de Esposende foi instituída pelo enviado Diogo Fernandes das Póvoas (José Felgueiras - A Alfândega Régia de Esposende, in “B.C. de Esposende”, 2.ª Série, n.º 4, 2015), ordenando “que no logar d' esposemde ouvesse alfamdega por lhe parecer asy meu serujço e para boa arrecadação de meus direytos segundo he declarado no regimento que sobre yso fez e leixou na dita alfamdega”. Para primeiro “ffeytor d'allfamdega que ora mandey fazer no dito logar d'Esposende”, foi nomeado Miguel Luís, criado do fidalgo da Casa Real, Tomé de Sousa, morador em Esposende.

Em 17 de Dezembro de 1548 foi entregue a Tomé de Sousa o primeiro regimento que iria regular a sua acção em terras do Brasil aonde chegou, ao actual Porto da Barra, volvidos 46 dias de viagem, a 29 de Março de 1549.

Embarcou para o Brasil levando uma armada constituída por três naus, a Conceição, comandada pelo próprio, a Salvador e a Ajuda, duas caravelas, a Leoa e a Rainha, e um bergantim, o S. Roque. Acompanhavam-no outras duas naus destinadas, exclusivamente, ao comércio. Segundo alguns documentos, seguiriam entre 500 a mil pessoas, 130 soldados, 90 marinheiros, 70 trabalhadores – carpinteiros, ferreiros e serradores, funcionários públicos e alguns jesuítas liderados por Frei Manuel da Nóbrega, degredados e outras pessoas indiferenciadas. Desta guarnição merecem destaque - o Provedor-geral, António Cardosa de Barros, o ouvidor-mor, desembargador Pêro Borges, o comandante de toda a esquadra no Brasil, Pêro de Góis, escrivão e o tesoureiro, engenheiro/arquitecto e mestre-de-obras, Luís Dias.

Curiosamente na tripulação da Nau “Conceição” integravam-se vários marinheiros esposendenses, nomeadamente o grumete Domingos "de Esposende", João de Esposende, mais tarde piloto da caravela Nossa Senhora da Graça, Jerónimo de Esposende e Sebastião de Esposende, também grumetes.

O rei tinha avisado, por carta, a Diogo Álvares Correia – o Caramuru – da chegada de Tomé de Sousa, que o recebe “acompanhado de uma pequena população entre: comerciantes portugueses, índios: tupinambás e tupiniquins, caciques e os primeiros brasileiros, "filhos de índias com portugueses".

Uma das suas primeiras tarefas do Governador foi, precisamente, promover o povoamento daquelas terras e, também, propagar a fé católica. Para essa tarefa deveria contar com todos os capitães e governadores e, desde logo, escolheu um local que deveria urbanizar e fortificar, para aí instalar um governo central, obedecendo a um ante-projecto que já levava de Lisboa. As obras prolongam-se até 1 de Novembro e Tomé de Sousa querendo honrar esse dia passou a chamar a esse lugar - Salvador da Baía de Todos os Santos.

 

QUEM FOI TOMÉ DE SOUSA

 

Terá nascido em Rates (FOTO 5), Póvoa de Varzim, por volta de 1503, havendo, no entanto, quem defenda o seu nascimento em Chorente, Barcelos. Era filho do prior de Rates, João de Sousa e de Mércia Rodrigues de Faria, dos Farias de Barcelos, com ramo em Esposende. Neto paterno do fidalgo Pedro de Sousa de Seabra e de D. Maria Pinheiro. Para ingressar na vida pública tornou-se soldado, destacando-se, em 1527, em Marrocos, na luta contra os mouros, como fronteiro, sendo recebido, segundo alguns relatos, como herói. Em 1535 comandou a nau Conceição, na Carreira das Índias, da armada do Capitão-Mór Fernão Peres de Andrade e esteve em Cochim, na Índia.

Dada a sua qualidade de homem de armas, prudente e excelente gestor de homens, mas sobretudo pela sua abastança, rapidamente ascendeu ao estatuto de nobre e em 1537 já o vemos como fidalgo da Casa Real. O conde de Castanheira, em carta ao primo Martim Afonso de Sousa, declara: “cada vez lhe ia achando mais qualidades boas, tendo sobretudo a de ser sisudo.”

Em 1537, ao regressar da Índia, é-lhe concedida a Comenda de Rates, da Ordem de Cristo, permutando-a, mais tarde, pela de Santa Maria de Arruda.

Em 1538 casou-se com D. Maria da Costa e deste casamento nasceu Helena de Sousa que vem a casar com Diogo Lopes de Lima, morto na batalha de Alcácer Quibir e companheiro de armas do esposendense Gregório de Barros.

Em 7 de Janeiro de 1549, apesar de se tratar de um fidalgo de condição bastarda e desprovido de significativa experiência política e militar, foi nomeado Governador-Geral do Brasil – teve, sem dúvida, a influência do primo co-irmão D. António de Ataíde, que fora acumulando o estatuto de favorito de D. João III, vedor da Fazenda e 1º conde da Castanheira.

Para aí partiu no dia 1 de Fevereiro, desse ano.

Como Governador-Geral do Brasil realizou uma obra ímpar - “deixou de pé, no Brasil, os pilares de uma cidade com incrível personalidade política e cultural”. Nunca deixou, no entanto, de esconder as saudades da mulher e da filha e, por isso, em carta de 18 de Junho 1551, tenta convencer o rei, "por amor de Deus", que o devolvesse às duas, em Portugal “ [...] outra vez peço a V. A. por amor de Deus que me mande ir pera hua molher velha que tenho e hua ffilha moça”.

Em 1 de Junho de 1553 Tomé de Sousa redigiu uma Carta, com 15 itens, ao Rei, um verdadeiro tratado de geografia económica sobre a região nordeste e sudeste do Brasil - “Todas as vilas e povoações de engenhos desta costa, fiz cercar de taipa, com os seus baluartes, e as que estavam arredadas do mar, fiz chegar ao mar, e lhes dei toda a artilharia que me pareceu necessária … mandei em todas as vilas fazer casas de audiência e de prisão, e endireitar algumas ruas… a esta cidade do Salvador deve V.A. de prover de um Capitão honrado e abastado, porque a qualidade dela o demanda assim… que a justiça de V.A. entre em Pernambuco e em todas as Capitanias desta costa… o Espírito Santo é a melhor Capitania e mais abastada que há nesta costa… eu entrei no Rio de Janeiro, que está nesta costa… Parece-me que V.A. deve mandar fazer ali uma povoação honrada e boa… São Vicente, Capitania de Martim Afonso, é uma terra muito honrada e de grandes águas e serras e campos… de São Vicente até o Rio da Prata estavam algumas armas de Castela. Em algumas partes mandei-as tirar e deitar no mar “. Nesta mesma carta faz referência à acção dos jesuítas “os Irmãos da Companhia de Jesus fazem nesta terra muito serviço a Deus, por muitas vias… tem eles grande fervor de irem pela terra a dentro a fazer casas no sertão, entre o gentio…”.

Regressa a Portugal em 13 de Julho de 1553. Foi nomeado Vedor do Rei, cargo confirmado por D. Sebastião em 22 de Outubro de 1557.

Faleceu em Lisboa no dia 28 de Janeiro de 1579 sendo sepultado no Mosteiro de Santo António de Castanheira, em Vila Franca de Xira, pese embora haja que defenda (Crónica da Baía) que jaz na Capela da Graça, fundada por uma das filhas do Caramuru, na cidade da Baía.

 

O COMENDADOR DE RATES

 

 


D. Manuel I, com o intuito de aumentar as rendas da Ordem de Cristo, pediu e obteve do Papa Leão X autorização para dispor dos frutos de numerosos mosteiros em favor daquela Ordem. O mosteiro de Rates foi um dos atingidos e em 25 de Maio de 1515 foi lavrada a escritura da transferência dos frutos e rendas do mesmo, logo que se desse a vacatura do priorado.

Era seu Prior, João de Sousa. À morte deste, os bens do mosteiro foram convertidos em Comenda da Ordem. O mesmo monarca, de forma a reforçar e valorizar o papel de Rates, vai outorgar-lhe, em 1517, um novo Foral onde são clarificadas as obrigações entre a população, o seu mosteiro e a Comenda aí estabelecida. As rendas seriam divididas na proporção de sessenta ducados para o Reitor da Igreja e noventa para o Comen­dador.

São de finais de 1534 as primeiras referências ao Comendador de Rates, Tomé de Sousa. Já em 1537 se registou uma “Verba do que se recebeu do Comendador de Rates Tomé de Sousa para as obras da Comenda de Cristo em 2 de Agosto de 1537” (Pedro de Azevedo).

 

O SENHOR DA HONRA DE PALMEIRA DE FARO


A honra ou Couto de Palmeira de Faro aparece-nos na documentação do século XIII pese embora surjam algumas dúvidas e incertezas quanto à origem e evolução desta terra honrada e a forma como se transmitiu este senhorio. De facto, pouco ou nada nos dizem os documentos medievais, sobretudo as Inquirições Afonsinas de 1220 e 1258, estas realizadas sob o olhar atento do Juiz das Terras de Neiva, João Peres.

Ao lermos as Inquirições medievais nomeadamente as de Marinhas (Zopaes), constatamos que os "Omees de Goyos metem se no couto de Palmeira et de Faro e vam lavrar a erdade foreyra de Goyus, et non querem dar na renda e torna se a renda sobre los outros omees de Goyus". Há, claramente, a referência ao Couto de Palmeira. Também não faltam, nesta freguesia, as referências toponímicas "pedra do couto que está em Terroso e Palmeira" (antes de 1474), a qual corresponderia ao "penedo do couto que está em Terroso". Já com D. Dinis (1290), nos inquéritos realizados onde a preocupação maior era o saber da existência de terras honradas, evitando, assim, os abusos dos senhores feudais, se identificou, aqui, uma Honra “soyam os da honra de Palmeira ir perante o juiz de Neiva, e que ora não vem aí". Pese embora não tenhamos dados para confirmar, somos de opinião que as propriedades, então coutadas, foram as mesmas que passaram, depois, a constituir a Honra de Palmeira e que serão as referidas, em 1108, nas partilhas de terras que os filhos de Paio Godins e sua mulher Gontinha Nunes fizeram entre si (Documentos Medievais Portugueses: Documentos Particulares, Vol. III, doc. N.º 269).

O primeiro titular, que conhecemos, desta Quinta e Honra, foi o filho bastardo de D. Dinis, Pedro Afonso, mais tarde nomeado Conde de Barcelos, autor do famoso “Livro de Linhagens”. Já em meados do século XIV vamos encontrar como seu senhorio D. João Afonso Tello, Almirante de Portugal, irmão da Rainha D. Leonor Teles que, em 21 de Julho de 1382 (era de 1420), faz doação desta Honra ao Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde – “Saibam quantos esta carta virem, como nós, D. João Afonso Tello, Almirante dos reinos de Portugal e do Algarve, e D. Beatriz de Albuquerque, minha mulher, ambos juntos, damos e outor­gamos de todo o nosso livre poder, as nossas terras convém a saber, Aveleda, que é no julgado da Maia, e Palmeira de Faro, com todos os seus frutos e novas, rendas e direitos, e direituras, prazos e serviços, e honras e coutos, e todalas coisas assim como nós haviamos e de direito podemos haver, ao Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde”.

Em 1518, quando foi redigido o Tombo Verde daquele mosteiro, os trabalhadores desta Honra de Palmeira afirmaram que esta era propriedade de D. Maria Pinheiro, viúva de Pero de Sousa (avós de Tomé de Sousa), a quem pagavam a respectiva renda e a quem foi solicitado apresentasse o respectivo título de prazo. Esta, na altura, disse que o documento estava nas mãos do seu filho Lopo de Sousa, 1.º Senhor de Prado – tio de Tomé de Sousa – “ausente em serviço do Duque de Bragança”. Não o apresentou a tempo e, por isso, a Honra de Palmeira regressou, de novo, à posse do Mosteiro de Santa Clara.

Em 29 de Novembro de 1541 as Clarissas fazem prazo desta Honra a Tomé de Sousa e sua mulher D. Maria da Costa (irmã do Cardeal D. Jorge da Costa) com a condição de que fosse proibida a venda do mesmo. Onze anos mais tarde, a 12 de Setembro de 1552, D. Maria da Costa, com procuração do marido, que estava ausente por ser Governador-Geral do Brasil, negoceia (vende?) o prazo da Honra e Couto de Palmeira de Faro com Pero Afonso de Leça Carneiro e sua mulher D. Filipa Martins Gaio, de Vila do Conde. O Mosteiro, atendendo aos bons serviços de Pero Leça, e talvez à qualidade do vendedor, autoriza a compra e fez-lhe novo prazo de Honra por três vidas a última das quais já nas mãos da fidalga Família Felgueiras Gayo.

Tudo aponta para que o solar desta Honra, e que foi uma das casas de Tomé de Sousa, seja o Solar da Quinta da Torre, hoje em adiantado estado de ruína.

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