domingo, 11 de abril de 2021

O BRACARENSE AUGUSTO VIEIRA SOARES - UM MINISTRO DA GRANDE GUERRA -

 

O BRACARENSE AUGUSTO VIEIRA SOARES

- UM MINISTRO DA GRANDE GUERRA -

 

 

Manuel Albino Penteado Neiva

 


Augusto Luís Vieira Soares nasceu na freguesia de S. João do Souto, Braga, a 5 de Outubro de 1873 e faleceu em Vizela em 1954.

Filho de João Pedro Soares e de Maria Madalena Coelho Vieira, senhores da Quinta do Esquilo, em Rendufe, Amares, onde Augusto Soares passou grande parte da sua juventude.

Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Exerceu os cargos de Presidente do Banco Industrial Português; Administrador da Caixa Geral de Depósitos e Administrador da Companhia de Moçambique.

Filiou-se no Partido Republicano Português, foi preso em 1908, tendo exercido cargos de elevada responsabilidade política como Procurador-Geral da República, Governador civil de Coimbra (1912-1913), Braga (1913-1914) e Santarém (1915). Foi Deputado em 1915. Foi Ministro da Colónias e, por várias vezes, nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Recebeu várias condecorações nomeadamente a Grã-Cruz da Torre e Espada; Grã-Cruz de Isabel a Católica e a Legião de Honra.

 

O Contexto da Guerra

 

Falar sobre a Primeira Grande Guerra ainda nos provoca algum desconforto. À medida que lemos textos coevos e narrativas de soldados que sofreram nos campos de batalha, acabamos por interiorizar esse sofrimento e a dor das famílias que os viam com um bilhete de ida e uma grande dúvida para a chegada.

Com a saída do primeiro contingente para Angola, em Outubro de 1914, e por pressão dos ingleses, tomamos o primeiro contacto com a Grande Guerra. Era importante, e mesmo uma questão nacional, a defesa dos nossos territórios do além-mar. A reconquista de Quionga, em Moçambique, era um ponto de honra para Portugal. Se a ida para África era consensual, para o teatro europeu, nomeadamente, Flandres nunca obteve consenso nacional, antes pelo contrário.

Ao longo dos textos vamos encontrar três opiniões diferentes para justificar a nossa ida para a guerra. Aqueles que “honestamente, acreditam ser necessário que Portugal intervenha directamente no conflito europeu, para dar mais solidez e maior valor à aliança anglo­lusitana”, os que “ainda sonham glórias militares, e desejariam, ínfimos Quixotes, ver chispar o sol das batalhas no metal dos seus botões amarelos” e “os homens de negócio, para quem o problema da vida cabe, inteirinho, dentro da fórmula shakespeariana, adaptada à mercearia - ganhar ou perder, eis a questão”.

No primeiro grupo cabe, precisamente, o pensamento de um ilustre bracarense, o Ministro Augusto Vieira Soares.

O Distrito de Braga (Infantaria 8, 29 e 20) foi um dos mais massacrados nessa sangrenta guerra. Com cerca 3535 jovens mobilizados, cerca de 644 pereceram em teatro de guerra.

Por tudo isto, porque foi uma guerra não ponderada, uma guerra que a poucos dizia, porque o regresso dos campos de morte foi inglório, importa conhecer as teias diplomáticas que nos conduziram para esse conflito e que benefícios tivemos com o Tratado de Paz. Para fundamentar este artigo, consultamos, exaustivamente, a documentação depositada no Museu Bernardino Machado, em Famalicão, principalmente o Arquivo Pessoal de Bernardino Machado, prestando aqui o nosso agradecimento público ao Professor Dr. Norberto Cunha.

 

A Diplomacia da Guerra

O Papel de Augusto Vieira Soares

 

Nos princípios de 1914 o Presidente Manuel de Arriaga convocou para uma reunião, de emergência, todo o governo, do qual fazia parte o Ministro das Colónias Augusto Vieira Soares. O Presidente queria que o governo lhe respondesse, claramente, a duas questões: - “Estava ou não Portugal em condições materiais de ir para a guerra?” e, “Se fosse, poderia ele, Presidente, contar com a cooperação de todos, instaurando-se um clima de paz política?”

A resposta não foi clara, nem por parte do Presidente do Conselho nem dos seus Ministros.

Foi pedido, então, ao Ministro Augusto Soares que diligenciasse junto do governo britânico um acordo para a participação de Portugal na guerra. Este, em 31 de Julho de 1914, reuniu-se com Lancelot Carnegie (Embaixador do Reino Unido em Portugal) e defendeu a nossa posição “guerrista” e que Portugal deveria declarar guerra à Alemanha. A postura inglesa foi de alguma prudência e o Embaixador inglês pediu para que “Lisboa não se precipitasse” e que “embora Londres garantisse a protecção do litoral português e das colónias, não poderia fornecer munições ou assistência financeira ao esforço de guerra português”. Augusto Soares queria a toda a força “vingar os portugueses mortos em África e outras ofensas graves recebidas da Alemanha”. Para este ilustre bracarense era uma “questão de orgulho nacional”.

Para a Inglaterra a nossa neutralidade era o desejável e mostrava-se muito preocupada com a guerra panfletária que por aqui se estava a fazer. Os ingleses não queriam aceitar os nossos soldados pois sabiam que a nossa preparação militar era muito deficiente e, também, porque aceitando essa imposição, seria obrigada a colocar-se ao lago de Portugal na defesa dos territórios africanos que eram tão disputados quer por alemães quer pelos próprios ingleses. Aliás, Bernardino Machado conhecia, perfeitamente, o acordo secreto, que ingleses e alemães celebraram em 1893, e, mais tarde, em 1898 sobre a possível partilha dos nossos territórios ultramarinos.

Em meados de 1915 assumiu a Presidência de Ministros José de Castro, e da sua equipa governamental fez parte, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Soares que sempre defendeu, de forma enérgica, uma posição intervencionista, sendo contra uma dúbia e pouco clara neutralidade. Foi novamente chamado para a Pasta dos Negócios Estrangeiros no 2.º Governo de Afonso Costa, voltando a defender que “a nossa política externa subordina-se a oportunidades, embora o caminho seja evidentemente ligar a nossa acção com a Inglaterra. Infelizmente, a nossa situação no grave momento que atravessamos não foi ainda precisamente definida perante a Inglaterra ou ela a não compreendeu ou não tem querido compreender”. Mostrava-se incrédulo perante a atitude inglesa, chegando a propor a Afonso Costa que era altura de Portugal se afirmar e acabar com esta situação dúbia. Ficou muito indignado quando, em 6 de Agosto, recebeu um Memorandum inglês onde se dizia que “o Governo Português poderá ser obrigado a praticar determinados actos contra a Alemanha” e, se isso acontecer a Inglaterra patrulharia as nossas costas “mas não poderá [socorrer] Portugal com munições ou dinheiro, nem garanti-lo contra complicações do lado da Espanha”.

Augusto Soares lembrou a Afonso Costa os ataques que Portugal tinha sofrido em África, às mãos dos alemães, principalmente na Damaralândia, e, por tudo isto volta a defender que Portugal deveria intensificar “por todas as forças a preparação militar e procurando dotar o Exército com os elementos indispensáveis para, no momento próprio, estar apto a ser empregado da forma que pareça útil, de acordo com a Nação Aliada”. Propunha medidas mais enérgicas e musculadas pois assim o entendia o Parlamento e o país na generalidade. Numa carta manuscrita que redigiu em 16 de Setembro de 1915 (Fundo Particular de Bernardino Machado), escreveu que “Portugal não tem lucros a tirar do conflito. Mas quer a guerra termine pela consagração da vitória dos Aliados” e aproveitou para comunicar a Sir Edward Grey (Diplomata inglês e ex-secretário das Relações Exteriores da Grã-Bretanha) a intenção de Portugal entrar directamente na guerra. A resposta a esta missiva, com data de 29 de Outubro de 1915, foi dada por Lancelot de Carnegie que exprimiu a honra e a satisfação da Inglaterra perante esta vontade portuguesa. Este diplomata inglês, num encontro em 30 de Dezembro de 1915, pediu a Augusto Soares que aprisionasse todos os navios alemães que estavam recolhidos nos portos portugueses, reforçando aquele pedido num texto oficial datado de 2 de Fevereiro de 1916. Dois dias depois, em reunião de Conselho de Ministros, Augusto Soares leu esse documento aos seus colegas e foi tomada a decisão de “fazer a requisição geral dos navios alemães impedidos nos portos portugueses”.

A Alemanha, através dos canais diplomáticos, ainda tentou que Portugal não aprovasse tal medida mas Augusto Soares, numa nota manuscrita, nesse mesmo documento, escreveu que “não voltaria atrás, e não havia quebra de neutralidade uma vez que Portugal nunca tinha declarado essa neutralidade” e deu instruções ao Embaixador de Portugal, em Berlim, Sidónio Pais, para que os portugueses fossem, de imediato, repatriados.

Para o Ministro Augusto Soares a guerra era a única saída e “a nossa boa estrela, impediria que o desastre de Naulila se não desse em Flandres”. A 23 de Fevereiro este mandou publicar o Decreto no qual ordenava o aprisionamento dos navios alemães conforme o pedido inglês.

Face a esta nova situação político-militar, a 15 de Março de 1916, Bernardino Machado nomeia um novo Governo – A União Sagrada – de consenso nacional, sendo Augusto Soares reconduzido na Pasta dos Negócios Estrangeiros. Aliás, um dos seus primeiros actos foi, precisamente, receber das mãos do Embaixador Alemão, Barão Friedrich Von Rosen, a 9 de Março de 1916, a Declaração de Guerra por parte da Alemanha - “o Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo Português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo Português”.

No seguimento desta Declaração de Guerra, Jorge V, de Inglaterra, recebeu, no Palácio de Buckingham, Afonso Costa e Augusto Soares que reafirmaram a total confiança na velha aliança com Inglaterra e assim Portugal recebeu o convite formal para “tomar parte na guerra da Europa ao lado dos Aliados”. Estes assuntos foram tratados, no dizer de Augusto Soares, com muita confidencialidade pois era espectável uma reacção negativa por parte da oposição e dos anti-guerristas portugueses. Caberia, agora, a Augusto Soares, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, e a Norton de Matos, Ministro da Guerra, levar a cabo a grande campanha de credibilização do nosso exército perante as potências aliadas. Aconteceu assim a grande parada de Montalvo, a 22 de Julho de 1916, de que resultou o chamado “milagre de Tancos”.

O Ministro Augusto Soares e o Embaixador britânico Sir Lancelot D. Carnegie redigiram e assinaram um Memorandum, a 3 de Janeiro de 1917, onde foram estabelecidas as regras da nossa participação no conflito mundial e, também, a forma como se deveria processar o transporte dos nossos combatentes para o teatro de guerra. Augusto Soares obteve da Inglaterra o compromisso de ceder navios para esse efeito.

Curiosamente Augusto Soares, conhecendo bem os hábitos dos nossos homens, fez questão de colocar no documento assinado com os ingleses, que era importante “a substituição de chá por café na ração britânica e a inclusão de uma ração diária de vinho, a ser fornecido por Portugal”.

Em 8 de Outubro de 1917 Bernardino Machado visitou as nossas tropas na Flandres, fazendo-se acompanhar pelo Ministro Augusto Vieira Soares. Aí, reuniram-se com o Rei Afonso XIII, de Espanha, o Rei Jorge V, de Inglaterra, com Alberto I da Bélgica e com o Presidente Raymond Poincaré, de França.

Com a insurreição Sidonista de 12 de Dezembro de 1917 Afonso Costa e Augusto Soares foram detidos, logo à sua chegada a Portugal - “o Dr. Afonso Costa, foi encerrado numa fortaleza de Elvas, incomunicável, como refém”; Augusto Soares foi preso, quando estava no Porto, na noite de 7 para 8 de Dezembro de 1917.

Depois de assinado o Armistício, a 11 de Novembro de 1918, Afonso Costa e Augusto Soares foram chamados, para uma Alta Missão, a Paris ou seja, integrar a Representação Portuguesa na Conferência de Paz que teve início a 18 de Janeiro de 1919 e que terminou, seis meses depois, a 28 de Junho de 1919, com a assinatura do Tratado de Versalhes.

Durante os trabalhos da Conferência Augusto Soares reuniu com as mais altas individualidades ligadas à diplomacia internacional como o Ministro dos Estrangeiros de Inglaterra, Sir Arthur James Balfour, com Camille Huysmans, Ministro dos Estrangeiros da Bélgica, Leon Bourgeois, estadista francês e obreiro da Liga das Nações, Georges Clemenceau, entre outros estadistas das nações aliadas. Para este ilustre bracarense, era “o futuro do nosso país que ali se estava a debater, a esperança de todas a reivindicações sociais e económicas, o porvir das classes em latente e exagerada luta, a definição no nosso dia de amanhã”.

No decurso das conversações para o texto final do Tratado de Paz, foi abordada a questão da constituição do Tribunal Internacional de Justiça, constituído por força do Pacto da Sociedade das Nações, e entre os Juízes que se apresentaram para esse órgão de justiça, e em nome de Portugal, figurava Augusto Soares que, em votação final, acabou por não ser eleito.

Para a história fica, de forma indelével, o seu enorme esforço diplomático em tempo de guerra e, para o esforço de paz, a sua assinatura no Tratado de Versalhes.


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