domingo, 11 de abril de 2021

A IGREJA E A REPÚBLICA OS PADRES PENSIONISTAS E OS EXILADOS

 

A IGREJA E A REPÚBLICA

OS PADRES PENSIONISTAS E OS EXILADOS

 

Por – Manuel Albino Penteado Neiva

 



Este artigo foi escrito no dia 5 de Outubro, depois de assistir a duas transmissões televisivas. Por um lado víamos algum entusiasmo – este ano sem grande pompa devido a circunstâncias conhecidas -, das celebrações da Implantação da República, pelo outro a transmissão emotiva, de Roma, do Consistório de criação cardinalícia, onde nos rejubilamos com a elevação de D. Tolentino de Mendonça a Cardeal.

 

Com a implantação do regime republicano e a declaração da laicicidade do Estado (Decreto sobre os Juramentos Religiosos, de 18 de Outubro de 1910 e, depois, a Lei sa Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril de 1911) assistimos a um confronto, por vezes violento, entre os servidores da igreja - que não se reviam naquela política anticlerical -, e as forças republicanas.

Olhava-se a república, que derrubava a monarquia, não só como defensora da soberania de um Estado laico, mas, também, como herdeira do antijesuitismo pombalino e os seus sequazes como homens ligados ao livre-pensamento, ao socialismo e mesmo ao anarquismo.

As posições vão-se extremar e se por um lado vamos ter os padres que aceitaram a classificação de pensionistas (art.º 113 da Lei da Separação), aderentes à república e, por isso, não seguidores das recomendações dos seus bispos (os liberais, para os republicanos), pelo outro vamos encontrar os ditos não pensionistas (reaccionários na opinião daqueles), desobedientes às leis republicanas, acatando todas as recomendações dos seus antístites, constantemente denunciados como reaccionários e traidores à república. Não faltaram glosas aos que aceitaram “a paga do Estado” chamando-os de “comedores do penso” ou “comedores da palhada”. Havia algum receio, por parte de algum clero, em não aceitar a subvenção “sentindo-se pressionado para aderir, pois temia ser acusado de desobediência” - como refere o P.e Manuel Vilela da Mota, pároco de S. Julião de Passos (Braga). Ao contrário, os padres Henrique da Costa, Inácio Guerra e Joaquim Teixeira, declararam aceitar essa verba pois que, desde muito cedo, abraçaram a crença republicana. O padre José Ribeiro recusou-se a receber mas nada tinha a ver com o regime republicano. Para este sacerdote o que estaria em causa era a sua “independência de carácter”, preferia “continuar a viver com humildade, sempre em obediência às leis do país, como cidadão português, mas sem trair a sua dignidade de padre católico”. Dos três párocos do concelho de Famalicão, que aceitaram receber esta tença, o de Sezures, padre João Manuel Trocado, acabou mesmo por emigrar para o Brasil já que sentia constantes perseguições por parte dos colegas do sacerdócio, que se negavam a dar-lhe qualquer serviço religioso.

Se a nível nacional terão sido cerca de 800, entre os 6000 padres, que aceitaram receber a Pensão do Estado, na Diocese de Braga (Braga e Viana do Castelo) esse número não ultrapassou os 55, verificando-se um número significativo no concelho de Paredes de Coura (13) que, certamente, teve a ver com a acção política do Padre Casimiro de Sá. Fica claro que, mesmo “penhorados” ao Estado, não deixaram de, muitas vezes, criticarem abusos e arbitrariedades de quem estava no poder, até mesmo se mostraram contrários a um discurso anticlerical dominante. O Padre Casimiro Sá, formado nos seminários de Braga, – conhecido pelo Abade de Padornelo -, foi uma dessas vozes, tantas vezes perturbadora. Era amigo pessoal de António José de Almeida (maçónico, Presidente da República de 1919 a1923) e de Bernardino Machado – e já em 1906 tinha declarado ser “republicano, e bem republicano o declaro, só nesta fé política tenciono morrer”. Foi Deputado na Assembleia Constituinte e nas legislaturas seguintes (1911-1917) e, aí, travou importantes batalhas, contra a corrente dominante do anticlericalismo. Houve quem procurasse, sem êxito, uma conciliação entre o clero e o poder político como foi o caso do padre Elviro Santos que propôs a criação da Liga do Clero Paroquial, destinada a apoiar os clérigos em situação de necessidade, procurando ainda, junto de Roma, que fossem os padres autorizados a usar barba e a deixarem de alardear a tonsura.



O clero, em geral, predispôs-se a lutar pela sua igreja tentando, a todo o custo, reverter a sua secundarização e os atropelos à sua acção. Os ambões eram a sua tribuna de eleição, conseguindo, com algum êxito, doutrinar o povo contra os ideais “maçónicos” do republicanismo. Tinham consciência que os fiéis sentiam uma manifesta necessidade do culto religioso. Não teria sido por acaso, que uma grande parte das Juntas de Paróquia e Confrarias deste distrito de Braga enviaram à Câmara dos Deputados telegramas onde manifestavam o seu descontentamento e a vontade da revisão da própria Lei da Separação.

Como escreveu António Marujo (Público, 3/10/2010), “a História poderia ser contada pela lógica do confronto: de um lado, os republicanos que queriam acabar com a confessionalidade do Estado; do outro, uma Igreja vinculada a fidelidades monárquicas, que reage desde o primeiro momento à implantação da República”. 

Em 1911 assistimos à prisão e exílio de alguns bispos - que se manifestaram, veementemente, contra o anticlericalismo do estado -, referimo-nos, como exemplo, á acção do barcelense D. António Barroso, Bispo do Porto, que foi violentamente afastado da sua diocese e enviado, quase como um preso, para o Colégio das Missões em Cernache do Bom Jardim. Foi proibido de contactar e entrar na sua diocese só porque autorizou a publicação de uma nota pastoral em que criticava a Lei da Separação. Surgiram, por todo o lado, manifestações de simpatia em seu apoio. Mesmo aqueles padres que, numa fase inicial, aderiram à república, até se mostravam entusiasmados, confessavam sentir-se desiludidos, pois viam, afinal, que esta defendia, acima de tudo, “uma guerra infernal à religião” e que sempre foram defensores “de uma igreja livre das opressões do poder civil”.

Alguns padres, mais radicais, acompanharam os monárquicos para a vizinha Espanha onde se organizaram para uma possível incursão. O Padre Domingos, de Cabeceiras de Basto, que ficou conhecido pelo Padre Guerrilheiro, foi, provavelmente, um dos que mais se envolveu nestas guerrilhas e, de certeza, o mais noticiado. Outros, por questões de segurança, decidiram acantonar-se em terras mais distantes das suas paróquias, em lugares mais recônditos. Muitos exilaram-se na vizinha Galiza - Tuy, não porque fossem adversários da República, mas devido ao clima persecutório que por aqui se fazia sentir, prenhe de ódios e perseguições.

Foi daqui, de Tuy, que estes sacerdotes exilados assinaram e enviaram uma mensagem, datada de 19 de Fevereiro de 1912, ao Arcebispo de Braga, D. Manuel Baptista da Cunha, também este vítima de desterro e que vem a falecer a 13 de Maio de 1913, onde afirmavam “… embora exilados não esquecem a sua pátria nem deixam passar despercebido o movimento auspicioso de reacção religiosa que nela se vai operando, a despeito do ateísmo de que enfermam o regime republicano, e mau grado da maçonaria dominante...". Mostravam-se solidários com o seu bispo que, tal como fez D. António Barroso, também ele autorizou que fosse lida uma nota pastoral onde se insurgia “contra as orientações do governo que pretendia governamentalizar todas as actividades cultuais”.



 

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