domingo, 11 de abril de 2021

A ESTAÇÃO RADIOGONIOMÉTRIACA AERONAVAL DE APÚLIA - PARA MEMÓRIA FUTURA –

 



A ESTAÇÃO RADIOGONIOMÉTRIACA AERONAVAL DE APÚLIA

- PARA MEMÓRIA FUTURA –





Por – Manuel Albino Penteado Neiva



Poder-se-á dizer que após a II Guerra Mundial (1945) e a nossa entrada na NATO (1949), aliada ainda a necessidade de reforçar o apoio à navegação transatlântica, Portugal procura dotar a sua extensa costa com Estações Radiotelegráficas. Aliás, esta política de controlo do mar, através destes equipamentos rádio, começa muito antes, recuando mesmo à Primeira Guerra Mundial. Foi, no entanto, na década de 40 que mais se faz notar a necessidade do recurso a estas tecnologias, de forma a prestar assistência à Unidade de Aviação Naval. Começa-se a falar, com frequência, na necessidade de dotar o norte do país com uma moderna Estação Radiogoniométrica, «integrada numa rede de ondas médias e curtas destinadas à vigilância estratégica em casos de guerra, bem como a prestar assistência técnica de alta precisão e a grande distância à navegação marítima e à aviação naval, independentemente da colaboração que pode prestar em casos de busca e salvamento e na orientação de aviões que se vejam em dificuldade por deficiência de visibilidade».
A Marinha apresenta ao governo as suas pretensões nesta matéria. Vê publicado o Decreto-Lei 35 126, de 13 de Outubro de 1945 - quiçá o primeiro documento a falar, publicamente, sobre esta Estação, o qual adjudicava a sua construção que teve inícios a 29 de Março de 1946. Do projecto constava uma Central Receptora, em Apúlia, e a Central Transmissora em A Ver-o-Mar, Póvoa de Varzim.
Não foi um processo fácil já que implicou a expropriação de mais de 14 hectares de terreno, numa zona muito fértil de Apúlia, até onde chegavam os tradicionais campos de masseira de cultura intensiva, situados à face da estrada Nacional 13 (Porto-Viana), havendo, por isso, reacções negativas da população.
A Estação estava dotada com cerca de 12 edifícios destinados ao aquartelamento, cozinhas, cantina, posto médico, reservatório para águas, postos de observação, etc., cobrindo uma área aproximada de 1800 metros quadrados. Sabe-se, pela documentação, que o seu custo foi de 8.450$00 – sendo 450 gastos em compra de terrenos, 1000 no equipamento eléctrico e os 7000 restantes em trabalhos de regularização do terreno, esgotos, canalização de águas drenagens, energia eléctrica, mobiliários e edifícios.
O autor do projecto desta Estação foi o arquitecto Jorge Segurado (Ver Caixa 1).
Os trabalhos foram acompanhados pelo Eng. Álvaro David, Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte.
Ao fim de 4 anos de trabalhos, ficou concluído este equipamento que foi solenemente inaugurado a 21 de Janeiro de 1950 com a designação de «Estação Radiogoniométrica e Aeronaval da Apúlia» ficando sob responsabilidade da Marinha e da Direcção do Serviço de Electricidade e Comunicações e cuja missão era o apoio ao serviço móvel marítimo, até uma distância de 500 milhas da costa, com pendor para a salvaguarda da vida humana no mar, escuta permanente das frequências internacionais de socorro, difusão de avisos à navegação e boletins meteorológicos, exploração de circuitos relativos às missões da Marinha de Guerra Portuguesa e, naturalmente, actividades do âmbito exclusivamente militar.


A NOVA DENOMINAÇÃO E A HERÁLDICA DA ESTAÇÃO


A portaria n. ° 16573, de 5 de Fevereiro de 1958, mudou a sua denominação para «Estação Radionaval da Apúlia» e, mais tarde, pela Portaria n.º 601/76, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 241, de 14 de Outubro de 1976, do Conselho da Revolução - Estado-Maior da Armada, rectificada pelos Serviços de Apoio do Conselho da Revolução, em 2 de Novembro de 1976, documento assinado pelo Secretário Permanente, Nuno Alexandre Lousada, coronel de infantaria, passou a chamar-se «Estação Radionaval Almirante Ramos Pereira» (Caixa 2).
Esta homenagem do Conselho da Revolução ao Almirante Ramos Pereira tem a ver com o seu percurso antifascista e pelo facto de ter integrado e estado na preparação do golpe do 25 de Abril de 1974.
Por despacho de 16 de Setembro de 1985, do Chefe do Estado-Maior da Armada, foi autorizado que esta Estação tivesse heráldica própria.
«De azul, semeado de raios de oiro, com duas redes de apanha de sargaço e respectivos cabos em aspa, de prata. Coronel naval de oiro, forrado de vermelho. Sotoposto listel de prata com a seguinte legenda em letras maiúsculas negras tipo Elzevir «E. R. N. ALMIRANTE RAMOS PEREIRA».


CAIXA 1 - BIOGRAFIA DO ARQUITECTO DA ESTAÇÃO
Jorge de Almeida Segurado (1898-1990) foi um notável arquitecto, um dos pioneiros da linguagem modernista na arquitectura portuguesa. Numa fase inicial abraçou o “gosto oficial, neo-tradicional, do Estado Novo” vindo a demarcar-se e seguir “os princípios do idioma modernista”, corrente que se vinha a impor na arquitectura internacional.
Os seus projectos da década de 1920, são influenciados pela herança clássica e pela Art Déco. São, no entanto, dos anos 30, do século XX, as suas obras mais marcantes, nomeadamente a Casa da Moeda, que foi considerada "uma das mais interessantes edificações dos anos 30 portugueses" e o próprio Liceu D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, altura em que Jorge Segurado assume o estilo do Estado Novo, por norma, chamado de Português Suave, tendo ganho, em 1947, o Prémio Valmor.
A década de 40 e 50 levam o arquitecto a “vaguear”, claramente, entre as opções modernistas e as de pendor mais tradicional.



CAIXA 2 - BIOGRAFIA DO SEU PATRONO

Contra- Almirante Ramos Pereira (1901-1974)




Jorge Maia Ramos Pereira foi um distinto Oficial da Marinha Portuguesa, “resistente antifascista, homem de grande estatura intelectual e firmeza de carácter” e, por isso, perseguido, constantemente, pela polícia política. Foi candidato da CDE, por Viana do Castelo, nas eleições de 1969. Em 1973 fez parte da comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro.
Nasceu em Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a 6 de Abril de 1901, falecendo em Lisboa no dia 16 de Março de 1974. Era casado com Maria da Graça Lopes de Mendonça, neta de Henrique Lopes de Mendonça que escreveu, como reacção ao Ultimato Inglês (1890), uma marcha – A Portuguesa - para a música de Alfredo Keil, mais tarde, 1910, adoptada como Hino Nacional.
Combateu a Monarquia do Norte, integrado no Batalhão Académico, tendo-se voluntariado para a Serra de Monsanto a fim de combater as forças monárquicas aí instaladas.
Em 1920 ingressou na Escola Naval e, por isso, passa a integrar a Armada Portuguesa. Foi promovido, em 1925, a Segundo-Tenente com a especialidade em rádio e electricidade. Em 1930 integrou a guarnição do cruzador Adamastor, com missões no Extremo Oriente revelando-se um especialista em radiocomunicações, radiotelegrafia e motores de combustão interna. Entre 1932 e 1935 foi professor dos cursos de radiotelegrafistas, desempenhando funções de relevo na Direcção do Serviço de Electricidade e Comunicações (DSEC) onde, em 1944, assume o cargo de Director. Antes, em 1936, durante a guerra civil espanhola, foi Oficial Imediato do contratorpedeiro Douro, prestando enormes serviços ao governo republicano.
Ao longo da sua carreira, dirigiu a construção e experimentação de novos equipamentos de comunicações.
Em 1954, como Capitão-de-Fragata, parte em missão de soberania a Goa, Damão e Diu, numa altura em que a Índia já reclamara a Portugal a entrega daqueles territórios. Regressando em 1956, é nomeado chefe da Divisão de Informações e posteriormente subchefe do Estado-Maior Naval interino e, em 1957, é escolhido para frequentar, nos Estados Unidos, o Naval Command Course.
Já no posto de Comodoro, assume a direcção do Instituto Superior Naval de Guerra. Foi promovido a Contra-Almirante em Julho de 1960 mas por divergências com o Ministro da tutela, demite-se e passa à reserva em 1966. Mesmo assim ainda é convidado para Director do Museu da Marinha, cargo que ocupa entre 1968 e 1971.
Em 1982 foi, a título póstumo, agraciado pelo Presidente da República com a Comenda da Ordem da Liberdade. Nessa altura, foi homenageado com a atribuição do seu nome à Estação Radionaval de Apúlia e inaugurada um monumento com o seu busto, hoje, transferido para o Comando da Zona Marítima do Norte.



A INAUGURAÇÃO DA ESTAÇÃO


No sábado invernoso de 21 de Janeiro de 1950, pelas 11 horas, o concelho de Esposende, Apúlia mais precisamente, engalanou-se para receber as altas individualidades que aqui se deslocaram para inaugurar a nova Estação Radiogoniométrica Aeronaval, nomeadamente o Sr. Ministro da Marinha, Almirante Américo Tomás (1894-1987), que vinha acompanhado pelo seu Ajudante de Campo, 1.º Tenente Guilherme Tomás, e o Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich que viajou, de Lisboa até Pedras Rubras, num avião da Marinha de Guerra, tripulado pelo capitão-tenente Ferreira da Silva, 2.º comandante da Base Aérea de S. Jacinto, acompanhado do seu secre­tário sr. Castro Freire e do enge­nheiro Pinto Basto.
O Ministro das Obras Públicas, antes de chegar a Apúlia, ainda parou em Azurara, onde visitou os terrenos destinados à construção do Emissor Nacional do Norte, sendo aí recebido por Manuel Bivar Leote, da direcção da Emissora Nacio­nal.
À entrada da Estação Radiogoniométrica Aeronaval da Apúlia, e à espera dos Ministros, entre outros militares, encontravam-se o Almirante Oliveira Pinto, major-general da Armada, o General Manuel Couto, Comandante da 1.ª Região Militar, o Comandante Ramos Pe­reira, Director dos Serviços de Electricidade e Comunicações do Mistério da Marinha, o 2.º Tenente António Rocha Calhorda, Director desta nova Estação, o Comandante do Porto de Viana do Castelo e o Tenente Pereira Serra, Delegado Marítimo de Esposende. Em termos de autoridades civis viam-se o Major Nery Teixeira, governador civil de Braga, o Rev. P.e Manuel Martins de Sá Pereira, Presidente da Câmara Municipal de Esposende e o Dr. Mário Norton, Presidente da municipalidade de Barcelos e Procurador à Câmara Corporativa.
A honra militar era prestada pelas praças, sargentos e oficiais do contra-torpedeiro «Vouga», liderados pelo seu Capitão-tenente António Ferreira de Oliveira.
Também a população local quis marcar presença e, fazendo alas, viam-se os professores e as crianças das Escolas Primárias, Bombeiros Voluntários de Esposende e Vizela, Casa do Povo de Apúlia, com o seu estandarte, e um “rancho de raparigas em trajes regionais pertencentes ao Rancho da Casa do Povo de Apúlia”.
Depois de visitar as instalações, a comitiva dirigiu-se para a denominada Sala dos Marinheiros onde aconteceu uma Sessão Solene onde o Comandante Sousa Uva, Presidente da Comissão Administrativa das Novas Instala­ções para a Marinha (C. A. N. I. M), salientou a importância desta Estação Radiogoniométrica “como novo e valioso meio de execução das múltiplas funções que lhe cabem e que são de real importância para a vida do país e para a defesa nacional” e, com ela se “permitirá ampliar e tornar mais eficientes os serviços de assistência, radiogoniométrica de alta precisão a grande distância à navegação marítima e aérea”.
Esta Estação de Apúlia iria coadjuvar o trabalho já prestado pelas Estações do Montijo e da Horta e, sem dúvida, as duas primeiras, separadas por mais de 300 quilómetros, já seriam capazes de “assegurar as direcções azimutais e a posição de qualquer navio ou aeronave em zona de maior tráfico do Atlântico Norte”. Para completar o controlo nacional faltaria uma Estação mais a sul e aí, ficariam cobertos o Atlântico e o Mediterrâneo.
Na altura foi salientado que “o desenvolvimento ex­traordinário do tráfego aéreo interna­cional nos últimos anos e a nossa privilegiada situação geográfica fizeram do país, passagem natural de numero­sas linhas de navegação aérea internacional que ligam a Europa e Médio Oriente, ao continente americano e às zonas Sul e Oeste da África ao oci­dente europeu”.
Sousa Uva não deixou de referir a importância das Estações de Rádio-marinha durante a II Guerra Mundial que permitiram um contacto permanente com as longínquas possessões de Macau e Timor e, também, o controlo mais eficiente das “actividades radiotelegráficas ilícitas no território nacional, as­segurando a pesquisa e descoberta doa postos emissoras ao serviço da espio­nagem e informações clandestinas”.
Um dos serviços que aqui, também, seriam prestados, e de grande utilidade nacional, era os de Meteorologia.
A Sessão solene terminou com a leitura, feita pelo Comandante Ramos Pereira, do Auto de Inauguração que, no final foi assinado pelos Ministros e pelas individualidades presentes.
Houve ainda tempo para condecorações, entre as quais merece especial referência a entrega da Ordem de Cavaleiro do Mérito Industrial ao Operário Especializado Carlos Marques Carvalhais que trabalhou naquela obra.
A Estação Radionaval Almirante Ramos Pereira, em Apúlia, foi desactivada em 2001 e a partir daí assistimos a um abandono total deste espaço e à ruína e vandalização dos edifícios que se podem considerar de valor arquitectónico. Tudo ficou a saque, edifícios, mobílias, muros e até documentação.
Um monumento que antes serviu Portugal, que recebeu a classificação de Património Arquitectónico (IPA – 00016889 - Antigo: PT010306020025), espera por um rápido restauro e, quiçá, possa voltar a ser um espaço de que todos nos possamos orgulhar e redimir de um crime de Lesa-património, evitando assim alinhar com todos os que afirmam que se “um estado que não é capaz de gerir o seu património não merece o respeito do seu povo”.
A Câmara Municipal de Esposende, em boa hora, adquiriu este património pretendendo, em colaboração com a Universidade do Minho, criar aí o Instituto Multidisciplinar de Ciências e Tecnologia Marinha, conforme protocolo assinado entre as duas instituições.












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