BIBLIOTECA MUNICIPAL DE ESPOSENDE
– 155 ANOS DE HISTÓRIA
Por:
Manuel Albino Penteado Neiva
Este
texto vem na sequência de uma série de visitas que temos feito aos reservados
da Biblioteca Nacional e a propósito do arranque de obras de manutenção na Biblioteca
Municipal Manuel de Boaventura, em Esposende.
Tal
como muitas bibliotecas espalhadas pelo nosso país, também a de Esposende, alicerça
a sua origem na extinção de muitos conventos e respectivas livrarias durante o
século XVIII e período liberal. Nessa fase, quer com Marquês de Pombal quer no
primeiro quartel do século XIX, a maior parte das livrarias que pertenciam às
ordens religiosas – com forte incidência sobre os jesuítas viram as suas ricas
livrarias a serem confiscadas - a 30 de Junho de 1773 foi decidido oficialmente
recolher os livros das livrarias conventuais – passando os seus livros para os
acervos de diversas instituições públicas nomeadamente as universidades. A de
Coimbra, por exemplo, incorporou grandes e valiosos patrimónios bibliográficos
oriundos dos conventos da Companhia de Jesus existentes nesta cidade,
acontecendo o mesmo em Lisboa com a Real Mesa Censória, antecessora da Real
Biblioteca Pública da Corte, enriquecida com fundos que provinham de muitas
casas e colégios desta Companhia religiosa. A Real Mesa Censória foi criada em
1768 com a função de “instituir uma
biblioteca pública à altura das maiores da Europa que, sem excepção, abrisse as
suas portas para instrução dos curiosos e dos mais eruditos”.
Quando
se extinguiu a Inquisição, em 1821, o Decreto n.º 47 de 7 de Abril desse
mesmo ano, ditou que “todos os
livros, manuscritos, processos findos, e tudo o mais que existir nos cartórios
do mencionado tribunal, e inquisições, serão remetidos à Biblioteca Pública de
Lisboa, para serem conservados em cautela na repartição dos manuscritos, e
inventariados”.
A
aplicação prática desta lei, levantou inúmeros problemas relacionados, por
exemplo, com o armazenamento de milhares e milhares de espécies bibliográficas
assim como o lidar com a sua dispersão geográfica. Se a nacionalização ou
apropriação dos bens imóveis, como foram os conventos e outras propriedades,
não de foi de difícil execução, os bens móveis, mormente os livros e arquivos,
mostrou-se uma tarefa difícil e, por vezes, impraticável. O decreto de 28 de
Maio de 1834 ao referir-se aos bens móveis dessas ordens religiosas dizia,
unicamente, que “os vasos sagrados e
paramentos que serviam de culto divino serão postos à disposição dos Ordinários
respectivos para serem distribuídos pelas igrejas mais interessadas das
dioceses”. Quando ao património bibliográfico e documental, desde logo se
pensou que o melhor seria arrecadar esses bens e, logo de seguida,
redistribuí-los por outros organismos. É nesta perspectiva que vemos a Real
Biblioteca Pública da Corte a tomar o papel de arrecadar estas riquíssimas
bibliotecas dos conventos extintos.
Pela documentação que estudamos sabemos que em 1833 a Real Biblioteca já tinha integrado os fundos do cartório e Seminário Patriarcal e parte das livrarias dos Mosteiros de Alcobaça, S. Pedro de Alcântara, S. Vicente de Fora e Jerónimos.
Origens da Biblioteca Municipal de Esposende
É
neste contexto que se começa a falar, pela primeira vez, numa Biblioteca para
Esposende.
Como
já dissemos, anteriormente, a Livraria do Mosteiro de Alcobaça foi uma das primeiras
a ser incorporada no Depósito Geral da Biblioteca Pública que, na altura, se
instalou no Convento de S. Francisco de Xabregas, verificando-se, desde logo,
não ser este o local ideal, devido à distância do centro da cidade, para se
instituir este depósito. Assim através de portaria datada de 16 de Outubro de
1834 o Ministério do Reino manda ao Dr. António Nunes de Carvalho que diligenciasse
no sentido de organizar “um depósito das
livrarias, cartórios, pinturas e demais preciosidades literárias e científicas
dos extintos conventos de Lisboa e Província da Estremadura” e o localizasse
no edifício do Convento de S. Francisco da Cidade, em Lisboa. Imediatamente a
seguir esta área geográfica de integração alargou-se, praticamente, a todo o
território nacional.
Estamos
a falar de um acervo rico em qualidade e, sobretudo, em quantidade. Transformou-se
numa tarefa hercúlea não só a arrumação dos documentos mas, também, o seu
inventário e classificação.
É
assim que surge a necessidade de criar uma rede de Bibliotecas Públicas
distritais e mesmo Museus que viriam a beneficiar deste valioso espólio. A
Biblioteca Pública Nacional passou, também, a supervisionar a “coordenação da arrecadação do património
bibliográfico dos conventos extintos, mas também definia a política de
distribuição desse vasto acervo”. Aliás são dadas ordens para que a esta Biblioteca
procedesse à recolha e classificação dos livros “para depois serem convenientemente distribuídos pelas diferentes
bibliotecas públicas, que de futuro houverem de se formar”, assim consta
numa nota manuscrita da Biblioteca Nacional (BN – MSS 243, n.º 8).
Numa
fase inicial a redistribuição dos livros era feita a pedido daquelas novas
bibliotecas e nunca por iniciativa da Biblioteca Pública Nacional.
Em
1836 o Administrador do distrito de Bragança escreveu que “os livros dos abolidos conventos deste distrito são de muito pequena
importância e a maior parte obras religiosas, pelo que mui insignificante biblioteca
se fará aqui se Sua Magestade se não dignar mandar-lhe fornecer com que a
aumentar”. Problemas semelhantes vão-se verificar em muitas terras que, de
certa forma, não viam grande relevância e valor nos livros vindos das livrarias
dos conventos locais pese embora se tenha afirmado que estes livros, vindos dos
conventos eram “poderosos meios de
difundir a instrução, e de exercitar o gosto pelas letras e belas artes” – sendo
este um dos princípios basilares da revolução liberal.
Se
estamos a falar, ainda, das chamadas Bibliotecas Distritais, nas capitais de
distrito, vamos assistir a um surgimento, em simultâneo, de um movimento dos
municípios para constituírem as suas próprias bibliotecas e, para isso, vão-se
socorrer de muitos destes fundos bibliográficos e de doações de figuras
ilustres da terra. Braga, por exemplo, foi um dos primeiros municípios a
solicitar, em 1841, a criação de uma biblioteca municipal. Este movimento foi
acompanhado pela intercessão de muitos Deputados da Nação que, defendendo os
seus círculos eleitorais, vão solicitar apoio para a criação de bibliotecas e
dotá-las com fundos bibliográficos que pertenceram aos extintos conventos.
Em
19 de Outubro de 1863 a Câmara Municipal de Barcelos recebeu 2314 obras
bibliográficas (Relação dos Livros que
forão p.a a Câmara Municipal de Barcelos, 24 de Outubro de 1863 - BN. AH 34)
tendo ficado encarregado de fazer a recepção desse manancial o Deputado João
António Gomes de Castro.
Esposende
não deixou que este benefício lhe passasse ao largo. Em 1866, e na sequência da
Portaria de 23 de Agosto desse ano, a Câmara Municipal passou uma procuração ao
Deputado João António Gomes de Castro (10 de Setembro de 1866) autorizando-o a
receber em nome deste município a “Relação
dos livros entregues à Câmara Municipal do concelho de Esposende - BN – AH-34”.
Dessa relação faziam parte 500 obras bibliográficas. “Saibam os que este Público Instrumento de Procuração bastante virem que
no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1866, aos dez de Setembro, nesta Vila de
Esposende, sala das sessões da Câmara onde eu Tabelião vim aí, compareceram os
membros deste Município, o Presidente João José Lopes e mais vogais, os membros
Miguel Ribeiro dos Santos, José Pereira Santo Amaro, Manuel José Fernandes
Carreira, João Joaquim de Boaventura, meus conhecidos e das testemunhas abaixo
assinadas, e eles outorgantes disseram faziam seu bastante Procurador o Ex.mo
João António Gomes de Castro, da Cidade de Lisboa … com especialidade para
proceder à escolha dos livros que do Depósito da Biblioteca Nacional de Lisboa
foram a esta Câmara concedidos, segundo a Portaria do Ministério do Reino,
expedida aos 23 de Agosto do corrente ano, pela 2.ª Repartição da Direcção
Geral da Instrução Pública”.
Esteve
presente neste acto o Doutor Filipe de Faria Azevedo Araújo, Administrador do
Concelho de Esposende.
Assim,
em 24 de Dezembro desse mesmo ano, João António Gomes de Castro dirigiu-se à
Biblioteca Nacional e aí fez a selecção dos 500 volumes que iriam integrar a
Biblioteca Municipal de Esposende. Após a selecção e recebimento dessas obras,
Gomes de Castro redigiu um documento onde escreveu:
“Como Procurador da Câmara Municipal de
Esposende recebi da Biblioteca Nacional de Lisboa os quinhentos volumes,
constantes desta relação, pertencentes ao depósito das Livrarias dos Extintos
conventos da Província da Extremadura. Lisboa, 24 de Dezembro de 1866. João
António Gomes de Castro”.
Como
já dissemos, tivemos a oportunidade de consultar a “Relação dos Livros do Depósito entregues à Câmara Municipal do Concelho
de Esposende, em cumprimento da Portaria de 23 de Agosto de 1866”
constituída por 500 volumes e entregues a Gomes de Castro. Dessa relação
escolhemos alguns títulos que nos afiguram mais emblemáticos e que, de certa
forma ilustram o que seria o primitivo núcleo bibliográfico desta nossa
biblioteca.
A
maior parte era de cariz religioso, havendo, também, exemplares da área do
direito, da literatura e belas artes.
Mas
a Biblioteca Pública de Esposende não se ficou, somente, com este acervo
bibliográfico. Em 9 de Agosto de 1873 José Maria Fogaça, um proprietário da
então Vila de Barcelos, familiar do Poeta António Fogaça, ofereceu para esta
biblioteca pública – e esta “aceitou com
bom grado”, um conjunto de livros. A Câmara decidiu lavrar em acta esta
doação e deixar “um voto de louvor pela
lembrança que teve e que nos mesmos livros se pusesse no princípio de cada um
para a todo o tempo constar o seguinte: Oferecido à Biblioteca por José Maria
Fogaça”. O desaparecimento de obras era uma constante mas havia, sempre, um
esforço e cuidado no sentido de manter intacto este espólio. Por exemplo, em
1875, a Câmara Municipal decidiu atribuir alguns prémios aos melhores alunos
que concluíssem com êxito o exame. Esse prémio, numa fase inicial, seria um
exemplar de “Os Lusíadas” de Luís de
Camões e que, pelos vistos, existiam na Biblioteca Municipal, adquiridos
aquando da celebração do 3.º Centenário da edição deste poema épico,
comemorações que tiveram alguma solenidade aqui em Esposende. O Vereador
Moreira Pinto contestou essa oferta dizendo que “os mesmos tinham sido oferecidos para fazer parte da Biblioteca”. O
executivo aceitou este argumento e, por isso, substituiu o prémio.
Na
reunião de Câmara de 18 de Março de 1933 foi dada a conhecer uma notícia
divulgada no jornal “O Cávado” na
qual se fazia alusão “a um suposto desvio
de livros da Biblioteca Municipal”. A presidência decidiu mandar investigar
esta denúncia à Autoridade Administrativa (Administração do Concelho – Ofício
n.º 114-A de 20 de Março de 1933) e o resultado foi apresentado na reunião de 8
de Abril através de um ofício no qual se dizia que “tenho a honra de informar que sendo chamado a esta repartição o
proprietário do Jornal “O Cávado” pelo mesmo foi dito que quem o informou do
desvio dos livros da Biblioteca Municipal foi o falecido contínuo da Câmara
José Maria de Magalhães Barros Lopes, não podendo, por conseguinte, esclarecer
nada sobre o assunto”.
Também
o Secretariado Nacional enviou um ofício à Câmara em 20 de Fevereiro de 1934,
cumprindo o que estipulava o art. 6.º do DL de 25 de Setembro de 1933,
solicitando informações sobre a Biblioteca Municipal. As questões colocadas ao
executivo eram se neste concelho existia uma Biblioteca Municipal, se a Câmara
já tinha tomado deliberações sobre a organização da Biblioteca Popular e,
ainda, se neste concelho existiam bibliotecas pertencentes a entidades públicas
ou particulares e que fossem de fácil acesso ao público. Curiosamente a Câmara
respondeu que em Esposende não existiam quaisquer bibliotecas.
Curiosamente,
e porque fomos o primeiro Bibliotecário e fundador da Biblioteca Municipal de
Esposende, em 1882, numa primeira fase com o valioso apoio da Fundação Calouste
Gulbenkian, e a partir de 1992, com fundo próprio, constatamos não haver qualquer
fundo bibliográfico anterior, unicamente meia dúzia de livros antigos, em
péssimo estado (sem recuperação), que pela nota manuscrita do pertence, vieram
de Alcobaça, e arrumados no sótão do edifício municipal.
Da
listagem das obras “enviadas” pelo
Deputado Conde de Castro e, “certamente”
entregues em Esposende elegemos estas cinco obras seiscentistas:
Padre Frey Afonso da Cruz (Ponte da Barca 1540-1619) - Espelho de religiosos: em o qual vendose, e compondose as pessoas religiosas, poderão com o favor divino, chegar com facilidade à perfeição. / Auctor o Padre Frey Afonso da Cruz... - Em Lisboa : por Pedro Craesbeeck, 1622.
Siro Ulperni - O Forasteiro admirado:
relaçam panegyrica do triunfo, e festas, que celebran o Real Convento do Carmo
de Lisboa, pela Cononização da Serafica Virgem S. Maria de Pazzi... ;
Lisboa; Oficcina de Antonio Rodríguez d'Abreu, 1672
Padre Alexandre de Gusmão - Escola de Bethlem, Jesus nascido no prezepio / pello P. Alexandre de Gusmam da Companhia de Jesu da Provincia do Brazil: dedicado ao Patriarcha S. Joseph. - Evora: na Officina da Universidade, 1678.
Padre Dom Antonio Ardizone Spinola – Cordel Triplicado de Amor a Christo Jesu
Sacramentado ao Encuberto de Portugal nacido, a seu Reyno Restaurado: Lançado
em três Livros de Sermoes … Lisboa: Na Impressão de António Craesbeeck de
Mello, 1680
Nota - Este livro raro foi proibido e mandado destruir em 1775 pela Mesa Censória
Frei João dos Prazeres - O principe dos patriarcas S. Bento. Primeiro Tomo. De sua vida, discursada em emprezas politicas e predicaveis, pello... Fr. João dos Prazeres... Offerecido ao... P.e Fr. João Ozorio Dom Abbade Geral da Congregação do mesmo Principe, 2 volumes, Em Lisboa: na Impressão de Antonio Craesbeeck de Mello impressor da Caza Real, e á sua custa, 1683-1690.
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