sábado, 3 de setembro de 2011

O CAMINHO DE SANTIAGO NO CONCELHO DE ESPOSENDE - UM CORREDOR CULTURAL –

 II

DE RATES Á BARCA DO LAGO

 Por: Manuel Albino Penteado Neiva

No mapa de Entre-Douro-e-Minho, desenhado por Romão Eloy em 1808, aparece o traçado desta estrada, como via principal, passando por Rates, Terra Negra (julgamos estar a referir-se à Lagoa Negra), Barca do Lago, Esposende, Rio de Moinhos, Belinho e Viana. Neste mapa, da Barca do Lago seguia, pela margem direita do Cávado, uma estrada para Barcelos. Daqui continuava para a Ponte de Anhel e aqui bifurcava-se ou para Viana ou então para Ponte de Lima.
 Saindo de Rates[1] e aqui os seus moradores, em 1603, estavam isentos do pagamento de 120 copas de palha porque ficavam “ na passagem para a vila de Viana”, a “carreira velha”, já referenciada em documentos de 1303, seguia em direcção à Cova de Andorinha. Daqui esta estrada seguia pela Lagoa Negra – lugar de Barqueiros[2]. Aqui em Lagoa Negra vamos encontrar a chamada “carreira mourisca” e, também, uma via romana que conduziria às velhas minas. Este não era, no entanto, o percurso a seguir pelos peregrinos. A estrada que desde a Idade Média e até ao século XVIII conduziu à Barca do Lago passava um pouco a poente do lugar de Vilares (Barqueiros).
Curiosamente o Prof. Brochado de Almeida identifica esta estrada como a possível “Via Veteris[3] – a estrada romana que ligaria Rates à Barca do Lago e correspondendo, certamente, ao caminho de Santiago em época medieval. Esta via depois de sair da Cova da Andorinha, dirigia-se a direito para a Azenha do Gadelhas e daí à lagoa. Cruzava a actual estrada Necessidades – Apúlia, a poente do lugar de Vilares. Daí seguia pela actual exploração de caulinos, entrando no aro territorial de Fonte Boa. Em documentos datados de 1549, quando estudamos esta freguesia[4] encontramos a referência à “estrada mourisca” que vinha de Rates para a Barca, passando pela Lagoa Negra. Este último troço, devido às minas de caulino aí existentes, ficou completamente descaracterizado.

Estamos em Fonte Boa.

Traçado do Caminho em Fonte Boa
Entramos através da estrada dos Cavaleiros (antiga Estrada Real, também conhecido por Caminho dos Cavaleiros, que se prolongará até à Barca do Lago), depois de percorrer um troço de caminho completamente descaracterizado. Ao terminar a Rua dos Cavaleiros, cruzamos a Rua do Couto[5] e a Rua da Agra. Em frente tomamos a Rua do Espírito Santo que, em determinado sítio assume o nome de Rua da Cruz. Aqui situar-se-ia a primitiva igreja da então Fonte Má, designação usada até meados do século XVI. Este templo localizar-se-ia no agora denominado Campo do Espírito Santo. Segundo Teotónio da Fonseca, para memória desta velha igreja o Abade de Fonte Boa Dr. Manuel Malheiro Marinho[6] (1714-1739) reformou o seu antigo cruzeiro, erigindo um novo nesse mesmo local. Aqui foram encontrados dois sarcófagos monolíticos medievais, um dos quais está depositado na casa da antiga Residência Paroquial.
Caminho dos Cavaleiros
Chegamos ao Cruzeiro do Senhor do Bom Fim. Trata-se de um cruzeiro alpendrado protegido por um gradeamento. O cruzeiro propriamente dito, é constituído por um plinto quadrangular onde assenta um fuste de pedra. Neste fuste foram pintadas as figuras de Cristo, N. S.ra da Agonia e os símbolos da Paixão. Trata-se de um monumento do século XVIII. Junto a este Cruzeiro, e adoçadas à Casa dos Belinhos, situa-se um nicho das Almas do Purgatório[7], datáveis do Século XIX.
Cruzeiro do Espírito Santo
Deixado o Cruzeiro do Senhor do Bonfim, entramos na Rua da Cruz. A facear este arruamento, abundam as ricas casas de lavoura, construídas à base de xisto, com ombreiras de portas e janelas em granito aparelhado. Destacam-se as grandes chaminés que chegam, por vezes, a ter a largura da casa e as portas carrárias que comunicam da rua para o pátio interior da mesma. Chegados ao cruzamento com a Estrada que liga Fão a Fonte Boa (Rua D. Frei Bartolomeu dos Mártires). Aqui segue-se em frente, direcção Barca do Lago, entrando na Rua Cândido Vinha. Logo a seguir, do lado esquerdo, encontramos as Alminhas do Arantes.
Estão inseridas num muro de uma propriedade rústica. São de uma arquitectura interessante, de recorte barroco (Séc. XVIII), encimadas por um arco contracurvado cujo fecho remata com um elemento floral estilizado. Possui um painel em azulejo da fábrica Carvalhinho (Gaia) representando N. S.ra das Graças. Neste ponto volta-se à direita. Continuam as casas tradicionais de Fonte Boa, de rica arquitectura, e do lado direito deparamos com uma fachada que ostenta um rico nicho setecentista encimando uma cartela com a data 1753. A seguir, na bifurcação, tomar a Rua Monsenhor Mariz. Este arruamento ainda mantém a primitiva calçada à portuguesa. 
Capela de Nossa Senhora da Graça
Chegamos ao largo da Senhora da Graça (Rua S.ra da Graça). Este espaço merece uma paragem. Aqui tinha assento a extinta freguesia medieval de Alapela, anexa a Fonte Boa em 1542 pelo Arcebispo de Braga D, Frei Bartolomeu dos Mártires. A sua igreja primitiva entrou em ruína sendo substituída em 1701 pela actual Capela. Trata-se de um templo modesto, de arquitectura simples, revestido recentemente a azulejo. Contemporâneo da primitiva Igreja ergue-se nesse mesmo local o velho cruzeiro formado por um plinto quadrangular, assente em dois degraus, com um fuste liso encimado por um capitel de tipo dórico rematado por uma cruz simples. Destaca-se ainda uma frondosa e centenária árvore, que traz ao local um ambiente bucólico. Percorrendo alguns metros na Rua S.ra da Graça, e depois de encontrar uma Alminhas, actuais e bastante simples, do lado esquerdo, entramos na Rua da Estrada Real. Este é, aliás e infelizmente, o único troço da velha Estrada Real, em terras de Fonte Boa, que conserva o seu primitivo nome.
A BARCA DO LAGO
Chegamos à Barca do Lago e ao fim do troço Rates – Barca do Lago. Aqui, num cabeço à esquerda da Estrada Real, vamos encontrar o Outeiro dos Picoutos, outrora denominado Felícia. Pelos vestígios arqueológicos encontrados estamos perante um habitat castrejo, apresentando ainda sinais evidentes de um sistema defensivo, constituído por um fosso e muralha. O monografista Dr. Teotónio da Fonseca[8] descreve que neste local foram encontrados restos de sepulturas, tijolos, vasos cerâmicos, cadinhos e moedas do Imperador romano Maxêncio. Este Caminho de Fonte Boa era muito transitado pois já em 1775 o Abade Vasco da Costa[9] refere-se ao facto de aí passar o Caminho de Peregrinação a Santiago de Compostela e, por essa razão, teria muitas despesas “ no socorro aos peregrinos, servindo a residência e o Pároco, de Hospital, Médico e Botica” dizia mais que era devida “ … a hospitalidade a religiosos e peregrinos … devido ao facto da residência ficar junto à estrada medieval de Viana ao Porto, pela Barca do Lago”.
Estamos certos que no século XVIII, e com a nova Igreja (construída em 1714), Capelas (Senhor dos Passos -1718; Coração de Maria – 1866) e Residência Paroquial[10], o trajecto abandonasse a Rua da Cruz e passasse a ser feito pela Rua Cimo de Vila, seguindo a Avenida da Igreja, entrando na Rua do Freixieiro até à S.ra da Graça.


[1] - O Mosteiro de Rates, como comunidade monástica, perde o seu último monge, Frei Martim Pires, em 21 de Agosto de 1432, ficando reduzida a uma colegiada secular (MARQUES, José (1991) – Os Forais da Póvoa de Varzim e de Rates, Ed. Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Póvoa de Varzim)
[2] - Aqui se localizaria a célebre, quiçá lendária, lagoa, outrora um complexo mineiro romano ou mesmo pré-romano onde têm aparecido, com frequência vestígios arqueológicos (ARAÚJO, António Veiga de (2001) – Barqueiros: Retalhos da sua História, Ed. Junta de Freguesia de Barqueiros, Barqueiros).
[3] - ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de (1980) – Via Veteris, Antiga Via Romana? - in “Actas do Seminário de Arqueologia do Noroeste Peninsular”, Vol. XIII, Guimarães.
[4] - NEIVA, Manuel Albino Penteado (1997) – Fonte Boa: Passado e Presente, Ed. Junta de Freguesia, Fonte Boa.
[5] . A designação Couto tem a ver com o antigo Couto de Apúlia. Neste local existia a Fonte do Couto – ora retirada para os jardins da Junta de Freguesia de Apúlia pois se ali continuasse iria ser coberta com o talude da Auto-estrada Apúlia – Barcelos (Ver: Nota 20)
[6] - Este Abade foi Comissário do Santo Ofício, Desembargador da Relação e Vigário Geral (morreu em 9 de Março de 1741).
[7] - Nicho em granito provido de um pequeno telhado. O retábulo é em azulejo da fábrica Aleluia (Aveiro) e representa N. S.ra do Carmo, ladeada de Anjos a retirarem as Almas do Purgatório.
[8] - FONSECA, Teotónio da (1936) – Espozende e o seu Concelho, Esposende
[9] - O Abade Vasco da Costa paroquiou Fonte Boa entre 1768 e 1776. Era Licenciado e foi Desembargador na Relação de Braga.
[10] - No edifício da antiga Residência Paroquial ainda se podem apreciar interessantes frescos parietais, representando as quatro estações do ano, a Música e o Canto, pintados por Manuel Cruz Pereira, em 1803.


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