O poder reivindicativo dos
moradores da foz do Cávado não se quedou pela separação religiosa, muito menos
pela passagem de lugar a freguesia independente. A luta continuou e procurou
obter do poder real a sua independência tutelar da vizinha cidade de Barcelos a
cujo termo pertencia.
Recordemos que no foral novo dado
por D. Manuel I a Barcelos, em 1515, já os pescadores do lugar de Esposende e
de Fão vêm mencionados e a eles era cobrado um imposto pelo pescado. Diz o
referido documento:
“ E allem dos ditos direitos que se pagam na ditta
villa e julgados sobreditos se ham de arrecadar pera Nos e Coroa de nossos
Regnos no rio do Cavado que passa polla dita villa e per os lugares de Fãao e
Esposende, e em outros quaesquer que se fazerem na marca e paragem em termo
destes o direito dos pescadores, a saber, duas dizimas huma velha e outra que
se chama nova pollo contracto dos ditos pescadores. E veem assi de cinquo huum.
O qual direito de cinquo huum se pagara assi do pescado que se tomar no rio
como do que vier per fooz do dito rio que seja tomado por pescadores...”
A vontade dos moradores de
fazerem vila o lugar de Esposende não foi só sentida no reinado de D. Sebastião
mas já no tempo de D. João III manifestaram esse desejo. De facto, no texto da
petição feita a D. Sebastião diziam que “Já vosso avô, que está em glória, foi
informado deste lugar, em tempo que não tão nobre como agora, nem estava tanto
a risco de ser saqueado, como está...”. Mas, e é mais uma vez o documento que
nos fala, “e sendo despachada a petição para se fazer a provisão, morreu o
procurador do dito lugar, e per dera-se a dita petição…“. Mais uma vez é
protelada a vontade dos esposendenses de quinhentos.
Já no reinado de D. Sebastião é
assinada uma mercê em que separava o montante das sisas de Esposende das de
Barcelos a fim daquelas serem usadas para a obra da igreja do lugar de
Esposende mas somente em 19 de Agosto de 1572 era outorgada uma Carta Régia que
para além de elevar este lugar à categoria de vila, separava-o de Barcelos e
lhe dava um termo.
CARTA RÉGIA QUE ELEVOU ESPOSENDE A VILA
“ Dom Sebastião por Graça de Deus Rei de Portugal e
dos Algarves d’aquém e d’além Mar, em África, Senhor da Guiné e da conquista,
Navegação, comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia. Faço saber aos que
esta carta virem que os moradores do lugar de Esposende, termo da vila de
Barcelos me fizeram a petição de que o traslado é o seguinte: — Dizem os
moradores do lugar de Esposende termo da vila de Barcelos terras e jurisdição
do Duque de Bragança que no dito lugar há trezentos e setenta para quatrocentos
vizinhos juntos e arruados, e muito nobre de casarias, gente rica, e abastada e
a maior parte dela do serviço de Vossa Alteza, por seu porto de Mar, em que há
setenta para oitenta navios grandes, e muitos pilotos e homens do Mar que de
contínuo com eles servem a Vossa Alteza em o qual lugar por ser tão nobre tem
vossa alteza alfândega, e oficiais dela e sendo tal não há nela escrivão nem
tabelião, nem outro oficial de justiça para a haver de fazer aos moradores
dele, salvo os da dita vila de Barcelos, que é duas léguas muito grandes do
dito lugar; em cujo termo há passante de vinte mil fogos a que comodamente se
não pode dar despacho por razão de todos estarem debaixo de uma só judiciatura,
e por eles suplicantes serem homens do mar, e terem suas navegações, não podem
ir à dita vila requerer suas justiças antes muitas vezes a deixaram perder,
pelas quais já vosso avô que está em glória, foi informado deste lugar em tempo
que não era tão nobre como agora nem estava tanto a perigo de ser saqueado como
ora está por os muitos corsários do mar que facilmente o podem fazer sem contradição
alguma por falta de justiça que nela reside para haver de constranger a gente
com a presteza e penas que para tal caso é necessário ocorrer a outros muitos
desaguisados que cada dia no dito lugar sucedem lhes tinha feito mercê de os
fazer vila, e sendo despachada a petição para se fazer a provisão, morreu o
procurador do dito lugar, e perdeu-se a dita petição e por que também vossa
alteza informado do dito lugar ser tão grande e nobre, lhe fez mercê de o
apartar sobre si nas repartições das sisas da dita vila de Barcelos; e assim
lhe fez mercê da imposição para a igreja do dito lugar. — Pedem a vossa alteza
que havendo respeito a tudo acima dito haja por bem fazer-lhe mercê de os fazer
vila dando-lhes termo conveniente com que se possam socorrer e governar, por
que desta maneira vossa alteza será melhor servido, e o povo menos vexado e
oprimido e receberá mercê. — E visto seu requerimento antes de outro despacho,
mandei ao Provedor da comarca e Procuradoria da vila de Viana Foz do Lima, que
se informasse do conteúdo na dita petição e soubesse quantos vizinhos no dito
lugar havia, e a qualidade deles e quantos navios tinha e a distância que havia
do dito lugar à dita vila de Barcelos, e que fizesse dar vista da dita petição
ao procurador do Duque de Bragança, meu muito amado e prezado sobrinho, cujo é
o dito lugar, e que ouvisse acerca disto os oficiais da câmara da dita vila de
Barcelos, e que de tudo o que olhasse e houvesse e outros dissessem; fizesse
fazer autos, e me enviasse o traslado deles, autêntico e me escrevesse seu
parecer acerca do que os moradores do dito lugar de Esposende pediam, ao que
foi pelo dito Provedor satisfeito e me enviou os ditos autos e eu os mandei ver
pelos desembargadores do Paço, que dele me darão informações e consta pelos
ditos autos haver duas léguas grandes do dito lugar de Esposende à dita vila de
Barcelos e haver nele trezentos e setenta vizinhos mareantes, e terem setenta e
quatro navios de alto bordo, a que chamam Caravelas, e se mostra mais pelos
ditos autos serem ouvidos sobre este caso os oficiais da câmara da dita vila de
Barcelos, e requerem ao dito Procurador, que tomasse informação dos moradores
do lugar de Fão e das freguesias conjuntas a Esposende, por que delas era o
prejuízo fazer o rito lugar vila e que seria grande diminuição de Barcelos
apartar-se, isentar-se dela Esposende e que no dito lugar havia muito poucas
causas e negócios, e lhe bastava o juiz que tem com a justiça da dita vila e
que não havia gente para se governar por andar sempre o mar e que fazendo-se
vila era necessário fazerem-se des pesas para as quais o povo ao presente não
era poderoso e assim viu a carta e informação do dito Provedor em que diz: Que
seu parecer é, que o dito lugar se deve fazer vila por a muita vexação que os
moradores dele recebem em irem requerer seus negócios de justiça à dita vila de
Barcelos e onde as causas e demandas do termo eram tantas, que se não
compadeciam por passar de dezoito mil vizinhos a que comodamente se não podia
dar aviamento e que para mais justificação se devia tomar o parecer de Dom
Pedro da Cunha do meu conselho e presidente da alçada que lá andava ao qual
mandei mostrar os ditos autos, e a carta do dito Procurador e por seu assinado
declarou, que pelo que tinha visto do dito lugar de Esposende, onde estivera
com a alçada, lhe parecia por muitas razões, que eu lhe devia conceder mercê
que me pedia, e o devia fazer vila s com tudo mandei que o Procurador que o
Duque tem em minha corte houvesse vista da petição que os moradores do dito
lugar sobre este caso me fizeram, e respondeu por sua parte o que fazia a bem
de sua justiça o que tudo visto, havendo respeito as causas e razões alegadas e
de legítimas sobre este caso visto hei por bem e me apraz de fazer vila o dito
lugar de Esposende, e quero que daqui em diante para sempre se possa chamar e
chame vila de Esposende, e a tiro e aparto de qualquer sujeição e
superioridade, que a dita vila de Barcelos nele tem sem embargo de quaisquer
privilégios e posse que em contrário haja por quanto por os ditos respeitos e
por lhe fazer mercê o hei assim por bem, e lhe dou por termo distância de meia
légua em circuito — de Esposende para a parte do norte até S. Bartolomeu do
Mar, e daí direito a Vila-Chã. S. Cláudio e Gemeses, e daí até o rio Cávado, no
qual limite de meia légua há seis freguesias que tem setecentos vizinhos, e
esta mercê que assim faço a dita vila de Esposende não prejudicará em coisa
alguma as doações do Duque nem do Alcaide Mór da Vila de Barcelos, e o dito Alcaide
Mór terá na dita vila de Esposende os direitos que até agora tem. E mando aos
meus desembargadores, corregedor, juízes, justiças, oficiais e pessoas a que o
conhecimento disto pertencer que em tudo cumpram e guardem esta carta, como se
nela contém a qual se registará no livro da chancelaria da comarca da vila de
Viana Foz do Lima e no livro da câmara da dita vila de Barcelos e da dita vila
de Esposende, e esta própria se terá no cartório dela em boa guarda a qual por
firmeza disso lhe mandei passar por mim assinada e selada do meu selo de
chumbo. Baltazar Ferraz a fez em Lisboa a dezanove dias do mês de Agosto. Ano
do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos setenta e dois.
Fernão da Costa o fez escrever. El-Rei — Carta porque vossa alteza fez vila o
lugar de Esposende. Miguel de Câmara — Lugar do selo de chumbo — Pagou seis mil
réis em Lisboa 26 de Agosto de 1572. Lançou-se a conta a fls. 61. João Fernandes.
Registado no livro a fls. 33. António Guiomar. Pagou conta a Simão Gonçalves
Pinto. — Cumpra-se e registe-se. Manuel Martins. — Registada no livro dos
registos das Provedorias da comarca de Viana Foz do Lima e chancelaria da dita
comarca e onde fora declarada. Viana Foz do Lima 15 do mês de Novembro de 1572
anos. João de Sá Guimarães.
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