UM FIM DE TARDE
DIFERENTE
Ontem tive o
incomensurável prazer de passar um bom par de horas na cavaqueira e a recordar
bons tempos na casa de um bom amigo escultor. Bastava esse facto para já ter valido
bem a pena este meu fim de tarde.
Acontece, porém, que
na casa onde estive sentia-se um halo diferente. Não era somente a sua
estrutura arquitectónica secular que nos levava a finais do século XIX, ou
mesmo a imaginar o frenesim de um período balnear em estância rica e elitista
que mexia com a energia do espaço. Era mais do que isso. A casa, os espaços, o
jardim, o anexo, alguns objectos, até os silêncios, nos fizeram recuar até ao
primeiro quartel de novecentos. Aí sentimos a presença de grandes artistas. Não
os vimos, não os ouvimos mas, de facto, eles estavam presentes.
Quem? É razoável que
perguntem.
Com o começo da
Primeira Grande Guerra muita gente se refugiou dos teatros de guerra. Muitos
vieram para Portugal. Um desses artistas refugiados foi precisamente Robert
Delaunay (1885 – 1941), um artista francês que usava o abstracionismo e o
cubismo no seu trabalho e sua mulher Sonia Delaunay (1885 – 1979), pintora,
designer, figurinista e cenógrafa ucraniano-francesa. Com eles vinha seu filho
Charles. Robert a convite de Kandinsky integrou o grupo “O Cavaleiro Azul” formado
por artistas abstratos de Munique. Fixaram residência na sua “Simultané”, uma
casa de arquitectura interessante em zona frente ao mar. Era nesta casa que
recebiam visitas constantes de amigos portugueses, grandes mestres, - Amadeo de
Souza-Cardoso, Almada Negreiros, Samuel Halpert e Eduardo Viana. Não falamos
com eles mas, tenho a certeza, que ouviram as nossas conversas de fim de tarde.
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