quinta-feira, 13 de junho de 2019

NA 1.ª GRANDE GUERRA - 23 TERRA- BOURENSES OPTARAM PELA DESERÇÃO


Há 100 anos o mundo celebrava o fim da Grande Guerra.
Portugal tinha mobilizado mais de 100.000 homens e esteve presente nos teatros de guerra de África, desde 1914, e da Europa, a partir de 1916.
A sociedade portuguesa dividiu-se. Se de um lado estavam aqueles que procuravam afirmar o nosso recente estatuto de República, do outro estavam os que viam, nessa via, um desastre nacional com consequências terríveis a nível económico, político e social. As próprias chefias militares não acreditavam na nossa capacidade e muito menos aceitavam uma subalternidade face ao exército inglês.
As informações e notícias sobre a guerra eram vagas, contraditórias e pouco ajudavam à paz social.
De Terras Bouro partiram para o conflito 80 jovens, impreparados e revoltados com a mobilização. Foram para Angola, Moçambique e França (Flandres). Daqui partiram e por lá sofreram, sentindo na pele a adversidade de uma guerra sem igual, de um clima e de um território difícil, da fome e das doenças. Desses, 20 morreram nos campos de batalha: - 6 na Flandres, 3 deles na Batalha de La Lys a 9 de Abril de 1918, 10 perderam a vida em Moçambique combatendo as poderosas tropas alemãs comandadas pelo estratega Lettow Vorbeck e 4 vieram doentes e na viagem de regresso, desta província, faleceram no barco sendo lançados ao mar nas costas africanas da Serra Leoa, Guiné e Marrocos. Deles se fez luto nas freguesias de Balança (4), Castanheira (2), Chorense (3), Gondoriz (1), Monte (1), Souto (4), Valdozende (1) e Vilar da Veiga (4). Outros 17 terra-bourenses conheceram a vida terrível e difícil dos Campos de Prisioneiros na Alemanha, sobretudo nos de Munster II e Dulmen.
 

Nas horas difíceis em que o espectro da morte espreitava, apegavam-se às suas devoções e seguravam, com fervor, objectos oferecidos pelas mães e namoradas nos momentos angustiantes da despedida. Do bolso retiravam terços, medalhas e pagelas “…nessa noite estava nas trincheiras da 1.ª linha sob um fogo vivíssimo do inimigo que vitimou muitos dos nossos, mas que não prejudicou ninguém destes sítios, graças ao bom Deus, à Senhora do Sameiro, da Lapa e de Lourdes”. Alguns “amarravam-se” à Senhora da Paz, que recentemente tinha aparecido na Cova de Iria, muitos outros à Senhora da Abadia, a S. Bento e a S. Torcato.
Da guerra não traziam boas recordações. As autoridades não os receberam como heróis, antes os esconderam e os deixaram na miséria, carregados de doenças colhidas nas trincheiras. Eram os gaseados, os inválidos da guerra e dados, pela Junta Médica, como incapazes de obter sustento próprio. Quantos se viram forçados a mendigar pelos caminhos onde antes brincaram e trabalharam para sustento da família!
Se muitos jovens terra-bourenses se resignaram com a sua mobilização para essa guerra, muitos deles integrando a heróica Brigada do Minho, outros não aceitaram tal desígnio e optaram pela Deserção.
Consultados, atentamente, os 150 processos – Folhas de Matrícula (contingentes entre 1911 e 1916 dos nascidos entre os anos de 1891 e 1896) – dos mancebos de Terras de Bouro, apuramos que 23 deles foram dados como Desertores à mobilização geral para a participação de Portugal no conflito mundial.
Vejamos como tudo aconteceu.
A organização no Exército Português, à época da Primeira Grande Guerra, obedecia ao sistema aprovado em 25 de Maio de 1911 que estabeleceu o fim do serviço profissional, tornando o serviço militar obrigatório por períodos que variavam entre as 15 e as 30 semanas. Foi introduzido um modelo de instrução preparatória aos 17 anos e incorporação aos 20. Todos os reservistas continuavam a ser chamados para a dita “Escola de Repetição” que os ocupava duas semanas por ano.
Pese embora o seu sentido patriótico, não estamos certos que os jovens de Terras de Bouro, militares ou não, partilhassem, sem reserva, que ”o povo portuguez jamais recuou deante dos perigos, por maiores que eles fossem; jamais voltou as costas aos que o provocaram; jamais deixou de ir até ao sacrifício da própria vida, para defender os pactos que tenha firmado com os povos a quem se aliou para a vida e para a morte” (in - Revista dos sargentos portugueses). Este clima de mau estar e, poder-se-á dizer má preparação, é notória quando se faz uma análise do que aconteceu em Tancos, Agosto de 1916 – Milagre de Tancos, em que se denunciava, em relação aos novos oficiais, ter-se ido “buscar à escola indivíduos que nunca haviam transposto uma porta de armas, em cujas veias corre apenas o sangue da juventude (...) e só porque os adorna um diploma, meramente teórico, que com a vida militar não tem o mais ligeiro contacto, reconhece-se que no fim de umas semanas, podem ser regulares oficiais e cingir-se-lhes a espada”.
A preparação militar em Tancos, numa fase inicial (Abril e Julho de 1916) foi baseada na orgânica de uma Divisão formada por duas Brigadas de Infantaria (cada uma com dois Regimentos e cada Regimento com 3 Batalhões de Infantaria). Esta Divisão era apoiada por unidades de Artilharia, Cavalaria, Engenharia e serviços de apoio. No final de Agosto, foi aumentada a força da Divisão a mobilizar, recorrendo a unidades do Norte de Portugal da 8.ª Divisão (Minho).
Como seria de esperar, e já aqui se disse, esta mobilização geral não foi muito bem aceite pela sociedade civil, levando a deserções, a revoltas populares, para já não falar do mau estar entre a própria casta militar.
Registe-se que este movimento desertor não se deu só com mancebos mas também com reservistas que foram, de novo, chamados para esse esforço de guerra.
Abílio José de Araújo, um jovem de 21 anos, nascido na Balança, foi alistado em Agosto de 1916. Depois da recruta é mobilizado como reforço expedicionário para Moçambique para onde embarcaria em Agosto de 1917. Estando já tudo preparado, resolveu no dia 2 desse mesmo mês, desertar (nos termos do n.º 1, art.º 124 do C.J.M., alterado pelo n.º 125) e, certamente, refugiar-se na vizinha Espanha, destino da maioria dos nossos jovens que fugiram à mobilização. Por aí se manteve, nessa condição, até 9 de Julho de 1919, já a guerra tinha acabado, data em que se apresentou, voluntariamente, no quartel. Foi preso e mandado ao Tribunal Militar do Porto sendo, por duas vezes amnistiado desse crime (Dec. 5787 – 5ª de 10 de Maio de 1919). Acabou por pedir licença e emigrou para o Brasil.
António de Azevedo Barroso, da mesma idade e do Campo do Gerês, depois de integrado em Artilharia 5, vai desertar a 18 de Agosto de 1917, eram 7 horas da manhã. Era um fim-de-semana e possivelmente estaria de visita à sua terra. Só se apresentou às autoridades em 8 de Setembro de 1919. Esteve preso até Junho de 1920 altura em que o Tribunal Militar de Viseu lhe concedeu uma amnistia pelo acto de deserção.
António José Alves, com 20 anos, era natural de Carvalheira. Em 13 de Abril de 1917 integrou o Regimento de Infantaria 29, em Braga. Em 8 de Agosto desse ano desertou. Apresentou-se, voluntariamente, e em 11 de Julho de 1919. Foi julgado pelo Tribunal Militar do Porto em 4 de Junho de 1921, sendo amnistiado da pena com base no Dec. N.º 5787 – 5A de 10 de Maio de 1919. Da mesma freguesia eram, Manuel José Martins Ribeiro, de 21 anos, também desertou, quando estava incorporado em Infantaria 29, apresentando-se no dia 9 de Julho de 1919, foi julgado e amnistiado pelo Tribunal Militar do Porto em 25 de Setembro de 1919, e Mário Alves, de 21 anos, do mesmo Regimento de Infantaria, que desertou e se apresentou no mesmo dia que o seu conterrâneo. Foi amnistiado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto em 27 de Agosto de 1919 “pelos crimes de deserção e de extravio de artigos militares”. Também João Baptista, com a mesma idade, e natural de Chamoim, integrou o mesmo Regimento. Foi mobilizado como expedicionário para a província de Angola para onde embarcaria em meados de Novembro de 1918. Porém, a 12, desertou e só se apresentou no quartel no dia 8 de Julho de 1919. Foi amnistiado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto em 25 de Agosto de 1921 “pelos crimes de deserção e de extravio de artigos militares nomeadamente a farda”. Naturais de Cibões, eram Joaquim Martins de Oliveira e José Gonçalves, ambos de 21 anos. Foram incorporados em Infantaria 29, um na 8.ª e outro na 6.ª Companhia. Ambos desertaram e, curiosamente, apresentaram-se voluntariamente no mesmo dia ou seja 10 de Julho de 1919. Foram julgados pelo TMTP em Agosto e amnistiados do crime de deserção. De Covide, com 21 anos era João Dias Cosme. Foi incorporado no Regimento de Cavalaria 11 e completa a instrução em Dezembro de 1916. Em 16 de Agosto de 1917 desertou e só se apresentou voluntariamente no quartel no dia 10 de Julho de 1919. Foi amnistiado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto “pelos crimes de deserção e de extravio de artigos militares nomeadamente a farda”. Emigrou para o Brasil.
Naturais de Rio Caldo eram José Maria da Costa, de 22 anos, e Manuel José Grilo, também da mesma idade. Ambos foram incorporados no R.I. 29, mobilizados para a guerra, desertaram e só se apresentaram, voluntariamente, no dia 8 de Julho de 1919. Foram levados a Tribunal e amnistiados do crime cometido, o José Maria em 20 de Setembro de 1919 e o manuel José em 29 de Abril de 1921.
José Maria Afonso Landeira era de Vilar da Veiga e tinha 22 anos. Em 13 de Janeiro de 1916 foi incorporado no Regimento de Cavalaria 11. Sabendo que iria ser mobilizado para a guerra, desertou e só se apresentou a 26 de Janeiro de 1922. Foi amnistiado pela Lei n.º 1629 de 15 de Julho de 1924.
Estando já em situação de reservistas mas convocados novamente para servirem o exército e a guerra, o que fizeram, acabaram por desertar 11 combatentes de Terras de Bouro.
João Pereira, com 26 anos, natural de Brufe, assentou praça no Regimento de Infantaria 29 em 21 de Agosto de 1911. Nessa altura já era casado com Maria Angelina Rodrigues de Sá. Depois da instrução de recruta foi licenciado indo domiciliar-se na sua freguesia. Em Dezembro de 1916, obedecendo às ordens de mobilização, apresentou-se no quartel. Sabendo que iria marchar para um dos teatros de guerra, em 3 de Janeiro de 1917, desertou. Apresentou-se voluntariamente em 10 de Julho de 1919. Foi julgado no Tribunal Militar do Porto tendo sido amnistiado pelos crimes de deserção em 11 de Junho de 1920. O mesmo aconteceu a Manuel Gonçalves, 25 anos, natural do Campo do Gerês, incorporado, também, em Infantaria 29. A sua deserção aconteceu em 17 de Abril de 1917 e somente se apresentou em 5 de Agosto de 1919. Foi amnistiado pelo TMP. Da mesma freguesia era José Lourenço Fecha, de 26 anos, com idêntico percurso militar, e desertor. Apresentou-se voluntariamente em 5 de Junho de 1922 e levado ao Tribunal Militar do Porto. Julgado, foi condenado à pena de três anos e um mês de deportação militar. Esta pena foi, no entanto, perdoada em conformidade com o Dec. N.º 7839 de 11 de Novembro de 1921 (Este Decreto perdoava o cumprimento das penas por vários crimes em que tenham sido ou venham a ser condenadas as praças de pré dos exércitos de terra e mar até 11 de Novembro de 1921). De Carvalheira era natural Eusébio da Expectação Alves, de 26 anos, que tinha assentado praça em 1911. Foi licenciado em 1913. Ausentou-se para o Brasil em 10 de Agosto de 1913 e não respondeu à chamada de mobilização geral sendo, por isso, considerado desertor a partir de 3 de Setembro de 1917. António José Antunes, de Cibões, com 25 anos, tinha assentado praça em 1912 e incorporado no Regimento de Infantaria 29. Depois da recruta foi licenciado e voltou a apresentar-se no quartel em 12 de Outubro de 1916. Durante os preparativos para a mobilização para a guerra, desertou e só se apresentou, voluntariamente, em 9 de Julho de 1919. Foi amnistiado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto em 4 de Maio de 1921.
Com 24 anos e natural de Covide, António Amaro Rodrigues foi incorporado nas Tropas Territoriais do D.R.29 de onde desertou. Apresentou-se voluntariamente no dia 10 de Maio de 1919. Foi levado a Tribunal Militar e aí pediu licença para se ausentar para o Bié – África Ocidental Portuguesa e, logo a seguir para a colónia Espanhola de “Fernando Pó” (hoje esta ilha chama-se Bioko e faz parte da Guiné Equatorial). Da mesma freguesia e do mesmo ano era José António Pereira que se alistou em Setembro de 1912 e foi incorporado no Regimento de Cavalaria 11. Ficou licenciado em Agosto de 1914 e aproveitou para, em Dezembro, se casar com Maria José Pereira e, nessa altura transferiu a sua residência para Miragaia, Porto, Bairro Ocidental e, mais tarde para a Gafanha, concelho de Ílhavo. Reintegrado novamente no serviço militar foi promovido a 1.º Cabo em Agosto de 1917 e logo de seguida fez exame do Curso de Habilitação para Sargentos sendo promovido a 2.º Sargento Miliciano. Nessa altura foi convocado para a guerra e resolveu desertar, considerado, por isso Desertor em Tempo de Guerra. Apresentou-se em 26 de Outubro de 1918. Também de Covide era Manuel Dias Cosme, com 25 anos, irmão de João Dias Cosme, também desertor, que se incorporou em 1913 no Regimento de Artilharia 5. Depois da instrução foi transferido, em 1 de Maio de 1913, para o Regimento de Infantaria 29. Foi licenciado e em 2 de Outubro de 1916 apresentando-se no quartel em Braga onde foi novamente incorporado. Na melhor oportunidade desertou e só se apresentou, voluntariamente, em 10 de Julho de 1919. Foi levado a tribunal militar e julgado no dia 26 de Janeiro de 1921. Foi amnistiado. Emigrou para o Brasil em 1926.
Domingos José Lopes, de 25 anos, natural de Rio Caldo, alistou-se em 1912 e foi incorporado no Regimento de Infantaria 29 onde terminou a recruta em Abril de 1913. Depois de ser licenciado, domiciliou-se na sua freguesia. Na altura da mobilização não se apresentou no quartel e foi dado como desertor. Apresentou-se voluntariamente no dia 9 de Julho de 1919. Foi amnistiado pelo Tribunal Militar Territorial do Porto a 25 de Agosto de 1921 pelos crimes de “deserção e extravio de fardamento”. Abílio Rodrigues de Sousa, de Moimenta, coma idade de 26 anos, alistou-se em 1911 e fez a sua instrução de recruta no R.I. 29, terminando-a em Abril de 1912. Em 1 de Junho de 1913 emigrou para o Brasil e não respondeu à chamada da mobilização geral. Refira-se que a licença de emigração terminou no momento em que Portugal entra em guerra sendo, por isso, obrigado a regressar. Foi capturado pela GNR de Braga no dia 26 de Agosto de 1922 e levado a Tribunal Militar onde foi julgado e amnistiado em 8 de Janeiro de 1923. Em Maio desse ano voltou para o Brasil.

Abel Francisco Fraga, natural da freguesia do Monte, com 25 anos, tinha-se alistado em Setembro de 1912. Foi incorporado, em 14 de Maio de 1913, no R.I. 29 tendo terminado a sua instrução em Agosto de 1913. Foi licenciado e obedecendo ao edital mobilizador, apresentou-se no quartel no dia 2 de Outubro de 1916. Em 17 de Abril de 1917, vésperas de embarcar para a Flandres, desertou e só apareceu no dia 9 de Agosto de 1919. Em 25 de Agosto de 1921 o Tribunal Militar julgou-o e amnistiou-o do crime de deserção. (Texto publicano no Jornal Diário do Minho - Suplemento Cultural -  de 12 de Junho de 2019).

Um comentário:

  1. Sr. Manuel, boa tarde. Me chamo Fabio e entro em contato com o Sr. pois tenho interesse em adquirir um livro de sua autoria. Trata-se do "Barcelos na I Grande Guerra (1914-1918)". O mesmo relata uma história do meu bisavó - António Ferreira Andrade (pág. 397). Vivo em Braga e não encontrei o seu livro a venda por aqui. Agradeço se entrar em contato: fabio.scalabrini@gmail.com

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