domingo, 11 de abril de 2021

FORJÃES NA TRADICIONAL ARTE DOS BONIFRATES COM MESTRE DOMINGOS BASTO MOURA

 

FORJÃES NA TRADICIONAL ARTE DOS BONIFRATES COM MESTRE DOMINGOS BASTO MOURA

 

Por: Manuel Albino Penteado Neiva


[…] trabalhar sozinho dentro de uma barraca de fantoches obriga a um esforço de cuja violência o público nunca se apercebe. Muitas alturas há em que seguro 2 bonifrates numa mão enquanto com a outra manipulo um boneco que volteia um pau. Depois, há que manter sempre húmida a fita de nastro que envolve a palheta metálica que pomos na boca. Para isso, somos obrigados a evitar o vinho, as sardinhas, as azeitonas […]

Henrique Duarte, Bonecreiro Popular Português

Quem não se lembra de ir a uma feira e parar em frente de uma barraca onde se exibiam aqueles bonecos barulhentos, truculentos mas, lá no fundo, engraçados e vistosos, não pelo seu trajar, mas pelas cores garridas das chitas ou bramantes? Traulitada para aqui, traulitada para ali, estavam sempre dispostos a dialogar com os mais novos que, sentados no chão e de olhos bem abertos, ocupavam a primeira fila. Diga-se que a minha experiência, além de admirador desta arte de bonifrates, nas festas e feiras das terras vizinhas, nomeadamente nas Cruzes, em Barcelos, resume-se a pequenos espectáculos, com improvisadas marionetas, com que mimava os meus sobrinhos mais pequenos, que, sentados no chão da cozinha, esperavam, ansiosos, pela aparição dos bonecos no janelão que ligava aquele espaço ao corredor, assim como pelas primeiras onomatopeias já que não dominava o uso de qualquer tipo de palheta. Bons tempos!

Poder-se-á dizer que esta arte vem no seguimento do tradicional desempenho da figura grotesca do Polichinelo e trazida para Portugal, quiçá no século XVII, por marionetistas italianos e franceses. Há quem defenda que a prevalência do nome Roberto, terá a ver com uma comédia de cordel com grande repercussão, intitulada "Roberto do Diabo".

Pese embora a publicação de alguns textos sobre esta matéria, recordamos aqui Henrique Delgado (1938-1971) que estudou muito bem o fenómeno do Teatro de Marionetas em Portugal, não há, ainda, um tratado sobre a Arte dos Bonifrates quer a nível da representação, quer no que diz respeito ao trabalho de bonecreiro.

A preservação desta arte tem merecido a atenção, para além dos executantes, do Museu da Marioneta (Lisboa), do Museu das Marionetas, do Porto e do próprio Teatro de Robertos Francisco Mota, também na cidade do Porto e, sobretudo João Paulo Seara Cardoso (1956-2010) – o Senhor Marionetas, do Teatro de Marionetas do Porto, que cedo se apercebeu da necessidade em preservar esta arte dos robertos, indo aprender com o grande Mestre António Dias. O próprio Museu da Marioneta “propôs a inclusão do Teatro Dom Roberto no Inventário Cultural do Património Cultural Imaterial nacional”.

Estas representações, quer os textos, a maior parte das vezes transmitidos pela oralidade, quer os gestos, quer mesmo os próprios bonecos, eram alvo de algumas críticas e até considerados impróprios para alguns lugares. Irene Margarida diz-nos que as estruturas da igreja se recusavam a que estes “teatros” acontecessem nos adros das igrejas. Recordemos que alguns roberteiros adaptaram representações sacras às exibições dos robertos o que, como diz o povo, não dava certa “a letra com a careta”.

Para os menos atentos, há diferenças entre a manipulação da marioneta e do fantoche – onde se empregam os cordéis e arames, e a manipulação do roberto ou títere que é feita directamente pelas mãos ou dedos, como de luva se tratasse, daí se chamarem, constantemente, bonecos de luva. Um elemento fundamental para estas representações é a palheta, habilmente preparada à base de duas finíssimas chapas metálicas e um pouco de fita de nastro, colocada na boca para a obtenção de um som estridente, que caracteriza o teatro de robertos.

Estamos a falar de um trabalho artesanal de muita paciência.

Um dos grandes estudiosos e profundo conhecedor desta arte dos bonifrates é, como já dissemos, Francisco Mota, um excelente titereiro, fundador do Teatro de Robertos situado na Rua do Almada, no Porto. Aí se conservam as memórias desta arte de rua e, por coincidência, alberga o espólio que pertenceu a Mestre Domingos Basto Moura.

 


O Mestre Domingos Moura

De nome completo Domingos Basto Moura, nasceu no Largo de S. Roque, Forjães - Esposende, no dia 19 de Junho de 1921. Era filho de Manuel António Dias Moura, natural de Forjães e de Antónia Gonçalves Bastos natural da vizinha freguesia de Aldreu concelho de Barcelos Era um exímio manipulador de robertos iniciando esta sua actividade artística por volta de 1940. Para além de manipular era ele quem confeccionava os seus próprios robertos.


Morreu a 14 de Abril de 1995, sem que o próprio jornal da terra, que o viu nascer, se alongasse mais que uma linha na notícia. Em 2005 tivemos a honra de coordenar e publicar a Rota do Artesanato de Esposende, iniciativa do Rotary Club desta cidade, na qual figura uma pequena biografia de Mestre Domingos Moura. Em 2008 foi Cândido Rodrigues que, usando o seu blogue Simplesrecanto, recorda este mestre bonequeiro lamentando que “ainda não foi alvo da homenagem que merece pelos serviços prestados à cultura popular deste país, recordando-o como “um dos maiores no teatro de marionetas (robertos) do século passado”, desafiando os “seus conterrâneos forjanenses à homenagem que merecem todos aqueles que lutam ou lutaram pela preservação e divulgação da cultura popular”. Também a Dra. Irene Margarida, no seu trabalho Vivências I, editado em 2010, dedicou um texto a Domingos Moura.

Terá sido por volta de 1940-50 que Mestre Moura terá tido os primeiros contactos com os robertos. Aprendeu e exercitou esta arte no conhecido "Pavilhão Mexicano” de Manuel Rosado que já albergava mais de 100 pessoas e que contava com um elenco de 6 colaboradores manipuladores de marionetas de fio e bonecos de luva. Havia ainda, para animar, uma orquestra musical. Foi precisamente neste ambiente que nasceu, para artista, o nosso Mestre Domingos Basto Moura.

Mais tarde, actuando por conta própria, percorria as feiras e romarias e, fora de época, montava, com frequência, o seu teatro itinerante, diga-se pequena barraca ou guarita, na cidade do Porto, escolhendo os Jardins da Cordoaria ou os do Marquês, mas também a Rotunda da Boavista ou o Largo da Maternidade Júlio Dinis. Os Domingos era os dias escolhidos, sempre ao final das missas, pois teria público certo e acabava por arrecadar umas moedinhas. A época de Verão era sempre o seu S. Miguel, percorrendo as praias do norte, desde Moledo até ao Porto. Segundo informação colhida no texto de Irene Margarida, Mestre Moura chegou a apresentar-se em Lisboa e no Algarve.

Cada bonecreiro criava os seus próprios robertos e Basto Moura, nas suas paragens por Matosinhos, aliás onde viveu, criou e celebrizou o seu a quem chamou Artur ou Arturinho. Em termos de representações o seu repertório era, mais ou menos, o tradicional, com textos burlescos, com predominância para o da Tourada à Portuguesa, O Barbeiro Diabólico e o Assalto à Casa do Lavrador Avarento.

Enquanto colaborador de Manuel Rosado, de certeza que apresentou inúmeras vezes o repertório deste grande roberteiro como Carolina e o Esqueleto, O Milagre de Santa Isabel, o Zé do Telhado, Marquês de Pombal e os Jesuítas, o Zé da Aldeia, o Milagre de Santo António e tantos outros.

Depois de muitas dificuldades, e agruras da vida, acabou por adoecer. Resolveu passar os seus últimos dias na sua terra Natal. Acomodou-se numa pequena barrava de matraquilhos, localizada no Largo de S. Roque, actividade que explorava depois de impossibilitado de continuar com a sua arte de roberteiro. Foi neste exíguo e desaconchegado espaço onde faleceu.

Para a feitura dos seus bonecos usava, sobretudo a madeira de pinho, esculpindo a cabeça e apurando os pequenos detalhes, dos mesmos, com pequenos formões e canivetes. O corpo ou vestido era elaborado à base de chita e cretone ou bramante, de preferência muito colorido, multicolor e florido.

Havia a guarita, leve e fácil de montar e transportar, e a maleta onde eram arrumados os bonecos.

 

Felizmente que o Teatro de Robertos, quiçá uma das mais antigas tradições das artes cénicas, depois de passar por momentos de quase extinção, foi abraçado por muitos artistas e, novamente, reposto nos palcos e praças públicas. Merecem todo o destaque, nesta área, o Teatro Dom Roberto, com o hábil manipulador de robertos José Gil, Victor Manuel Costa – o Santa-Bárbara, que, de certeza, tiveram como exemplos os velhos mestres bonecreiros da década de 1950, como Manuel Rosado, Domingos Basto Moura, António Dias e Faustino Duarte, dono do pavilhão Três Irmãos Unidos.

Nas palavras de Manuel Rosado, vários factores terão contribuído para que estes espectáculos abandonassem as feiras e romarias “o aluguer das camionetas de carga, que é caro, as pessoas que se demoram hoje pouco tempo nas feiras, o ruído de milhentos altifalantes e a televisão, foi o que causou o afastamento do público rural”. Para além disso, segundo Manuel Rosado, esta arte perde a sua magia a partir do momento em que “a televisão mostra como se manipulam as marionetas, pondo a descoberto segredos que nós nunca revelamos”.

A primeira tarefa, e urgente, foi a recolha dos textos mais antigos como O Barbeiro, A Rosa e os Três Namorados, A Tourada, O Castelo dos Fantasmas, O Saloio de Alcobaça, etc., não esquecendo a chamada produção individual, pois cada mestre procurava sempre ter o seu próprio texto – e muito improviso - como é o caso do Assalto à Casa do Lavrador Avarento, apresentado por Basto Moura.



 

BIBLIOTECA MUNICIPAL DE ESPOSENDE – 155 ANOS DE HISTÓRIA


Por: Manuel Albino Penteado Neiva

 

Este texto vem na sequência de uma série de visitas que temos feito aos reservados da Biblioteca Nacional e a propósito do arranque de obras de manutenção na Biblioteca Municipal Manuel de Boaventura, em Esposende.

Tal como muitas bibliotecas espalhadas pelo nosso país, também a de Esposende, alicerça a sua origem na extinção de muitos conventos e respectivas livrarias durante o século XVIII e período liberal. Nessa fase, quer com Marquês de Pombal quer no primeiro quartel do século XIX, a maior parte das livrarias que pertenciam às ordens religiosas – com forte incidência sobre os jesuítas viram as suas ricas livrarias a serem confiscadas - a 30 de Junho de 1773 foi decidido oficialmente recolher os livros das livrarias conventuais – passando os seus livros para os acervos de diversas instituições públicas nomeadamente as universidades. A de Coimbra, por exemplo, incorporou grandes e valiosos patrimónios bibliográficos oriundos dos conventos da Companhia de Jesus existentes nesta cidade, acontecendo o mesmo em Lisboa com a Real Mesa Censória, antecessora da Real Biblioteca Pública da Corte, enriquecida com fundos que provinham de muitas casas e colégios desta Companhia religiosa. A Real Mesa Censória foi criada em 1768 com a função de “instituir uma biblioteca pública à altura das maiores da Europa que, sem excepção, abrisse as suas portas para instrução dos curiosos e dos mais eruditos”.

Quando se extinguiu a Inquisição, em 1821, o Decreto n.º 47 de 7 de Abril desse mesmo ano, ditou quetodos os livros, manuscritos, processos findos, e tudo o mais que existir nos cartórios do mencionado tribunal, e inquisições, serão remetidos à Biblioteca Pública de Lisboa, para serem conservados em cautela na repartição dos manuscritos, e inventariados”.

A aplicação prática desta lei, levantou inúmeros problemas relacionados, por exemplo, com o armazenamento de milhares e milhares de espécies bibliográficas assim como o lidar com a sua dispersão geográfica. Se a nacionalização ou apropriação dos bens imóveis, como foram os conventos e outras propriedades, não de foi de difícil execução, os bens móveis, mormente os livros e arquivos, mostrou-se uma tarefa difícil e, por vezes, impraticável. O decreto de 28 de Maio de 1834 ao referir-se aos bens móveis dessas ordens religiosas dizia, unicamente, que “os vasos sagrados e paramentos que serviam de culto divino serão postos à disposição dos Ordinários respectivos para serem distribuídos pelas igrejas mais interessadas das dioceses”. Quando ao património bibliográfico e documental, desde logo se pensou que o melhor seria arrecadar esses bens e, logo de seguida, redistribuí-los por outros organismos. É nesta perspectiva que vemos a Real Biblioteca Pública da Corte a tomar o papel de arrecadar estas riquíssimas bibliotecas dos conventos extintos.

Pela documentação que estudamos sabemos que em 1833 a Real Biblioteca já tinha integrado os fundos do cartório e Seminário Patriarcal e parte das livrarias dos Mosteiros de Alcobaça, S. Pedro de Alcântara, S. Vicente de Fora e Jerónimos.


Origens da Biblioteca Municipal de Esposende

É neste contexto que se começa a falar, pela primeira vez, numa Biblioteca para Esposende.

Como já dissemos, anteriormente, a Livraria do Mosteiro de Alcobaça foi uma das primeiras a ser incorporada no Depósito Geral da Biblioteca Pública que, na altura, se instalou no Convento de S. Francisco de Xabregas, verificando-se, desde logo, não ser este o local ideal, devido à distância do centro da cidade, para se instituir este depósito. Assim através de portaria datada de 16 de Outubro de 1834 o Ministério do Reino manda ao Dr. António Nunes de Carvalho que diligenciasse no sentido de organizar “um depósito das livrarias, cartórios, pinturas e demais preciosidades literárias e científicas dos extintos conventos de Lisboa e Província da Estremadura” e o localizasse no edifício do Convento de S. Francisco da Cidade, em Lisboa. Imediatamente a seguir esta área geográfica de integração alargou-se, praticamente, a todo o território nacional.

Estamos a falar de um acervo rico em qualidade e, sobretudo, em quantidade. Transformou-se numa tarefa hercúlea não só a arrumação dos documentos mas, também, o seu inventário e classificação.

É assim que surge a necessidade de criar uma rede de Bibliotecas Públicas distritais e mesmo Museus que viriam a beneficiar deste valioso espólio. A Biblioteca Pública Nacional passou, também, a supervisionar a “coordenação da arrecadação do património bibliográfico dos conventos extintos, mas também definia a política de distribuição desse vasto acervo”. Aliás são dadas ordens para que a esta Biblioteca procedesse à recolha e classificação dos livros “para depois serem convenientemente distribuídos pelas diferentes bibliotecas públicas, que de futuro houverem de se formar”, assim consta numa nota manuscrita da Biblioteca Nacional (BN – MSS 243, n.º 8).

Numa fase inicial a redistribuição dos livros era feita a pedido daquelas novas bibliotecas e nunca por iniciativa da Biblioteca Pública Nacional.

Em 1836 o Administrador do distrito de Bragança escreveu que “os livros dos abolidos conventos deste distrito são de muito pequena importância e a maior parte obras religiosas, pelo que mui insignificante biblioteca se fará aqui se Sua Magestade se não dignar mandar-lhe fornecer com que a aumentar”. Problemas semelhantes vão-se verificar em muitas terras que, de certa forma, não viam grande relevância e valor nos livros vindos das livrarias dos conventos locais pese embora se tenha afirmado que estes livros, vindos dos conventos eram “poderosos meios de difundir a instrução, e de exercitar o gosto pelas letras e belas artes” – sendo este um dos princípios basilares da revolução liberal.

Se estamos a falar, ainda, das chamadas Bibliotecas Distritais, nas capitais de distrito, vamos assistir a um surgimento, em simultâneo, de um movimento dos municípios para constituírem as suas próprias bibliotecas e, para isso, vão-se socorrer de muitos destes fundos bibliográficos e de doações de figuras ilustres da terra. Braga, por exemplo, foi um dos primeiros municípios a solicitar, em 1841, a criação de uma biblioteca municipal. Este movimento foi acompanhado pela intercessão de muitos Deputados da Nação que, defendendo os seus círculos eleitorais, vão solicitar apoio para a criação de bibliotecas e dotá-las com fundos bibliográficos que pertenceram aos extintos conventos.

Em 19 de Outubro de 1863 a Câmara Municipal de Barcelos recebeu 2314 obras bibliográficas (Relação dos Livros que forão p.a a Câmara Municipal de Barcelos, 24 de Outubro de 1863 - BN. AH 34) tendo ficado encarregado de fazer a recepção desse manancial o Deputado João António Gomes de Castro.

Esposende não deixou que este benefício lhe passasse ao largo. Em 1866, e na sequência da Portaria de 23 de Agosto desse ano, a Câmara Municipal passou uma procuração ao Deputado João António Gomes de Castro (10 de Setembro de 1866) autorizando-o a receber em nome deste município a “Relação dos livros entregues à Câmara Municipal do concelho de Esposende - BN – AH-34”. Dessa relação faziam parte 500 obras bibliográficas. “Saibam os que este Público Instrumento de Procuração bastante virem que no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1866, aos dez de Setembro, nesta Vila de Esposende, sala das sessões da Câmara onde eu Tabelião vim aí, compareceram os membros deste Município, o Presidente João José Lopes e mais vogais, os membros Miguel Ribeiro dos Santos, José Pereira Santo Amaro, Manuel José Fernandes Carreira, João Joaquim de Boaventura, meus conhecidos e das testemunhas abaixo assinadas, e eles outorgantes disseram faziam seu bastante Procurador o Ex.mo João António Gomes de Castro, da Cidade de Lisboa … com especialidade para proceder à escolha dos livros que do Depósito da Biblioteca Nacional de Lisboa foram a esta Câmara concedidos, segundo a Portaria do Ministério do Reino, expedida aos 23 de Agosto do corrente ano, pela 2.ª Repartição da Direcção Geral da Instrução Pública”.

Esteve presente neste acto o Doutor Filipe de Faria Azevedo Araújo, Administrador do Concelho de Esposende.

Assim, em 24 de Dezembro desse mesmo ano, João António Gomes de Castro dirigiu-se à Biblioteca Nacional e aí fez a selecção dos 500 volumes que iriam integrar a Biblioteca Municipal de Esposende. Após a selecção e recebimento dessas obras, Gomes de Castro redigiu um documento onde escreveu:

Como Procurador da Câmara Municipal de Esposende recebi da Biblioteca Nacional de Lisboa os quinhentos volumes, constantes desta relação, pertencentes ao depósito das Livrarias dos Extintos conventos da Província da Extremadura. Lisboa, 24 de Dezembro de 1866. João António Gomes de Castro”.

Como já dissemos, tivemos a oportunidade de consultar a “Relação dos Livros do Depósito entregues à Câmara Municipal do Concelho de Esposende, em cumprimento da Portaria de 23 de Agosto de 1866” constituída por 500 volumes e entregues a Gomes de Castro. Dessa relação escolhemos alguns títulos que nos afiguram mais emblemáticos e que, de certa forma ilustram o que seria o primitivo núcleo bibliográfico desta nossa biblioteca.

A maior parte era de cariz religioso, havendo, também, exemplares da área do direito, da literatura e belas artes.

Mas a Biblioteca Pública de Esposende não se ficou, somente, com este acervo bibliográfico. Em 9 de Agosto de 1873 José Maria Fogaça, um proprietário da então Vila de Barcelos, familiar do Poeta António Fogaça, ofereceu para esta biblioteca pública – e esta “aceitou com bom grado”, um conjunto de livros. A Câmara decidiu lavrar em acta esta doação e deixar “um voto de louvor pela lembrança que teve e que nos mesmos livros se pusesse no princípio de cada um para a todo o tempo constar o seguinte: Oferecido à Biblioteca por José Maria Fogaça”. O desaparecimento de obras era uma constante mas havia, sempre, um esforço e cuidado no sentido de manter intacto este espólio. Por exemplo, em 1875, a Câmara Municipal decidiu atribuir alguns prémios aos melhores alunos que concluíssem com êxito o exame. Esse prémio, numa fase inicial, seria um exemplar de “Os Lusíadas” de Luís de Camões e que, pelos vistos, existiam na Biblioteca Municipal, adquiridos aquando da celebração do 3.º Centenário da edição deste poema épico, comemorações que tiveram alguma solenidade aqui em Esposende. O Vereador Moreira Pinto contestou essa oferta dizendo que “os mesmos tinham sido oferecidos para fazer parte da Biblioteca”. O executivo aceitou este argumento e, por isso, substituiu o prémio.

Na reunião de Câmara de 18 de Março de 1933 foi dada a conhecer uma notícia divulgada no jornal “O Cávado” na qual se fazia alusão “a um suposto desvio de livros da Biblioteca Municipal”. A presidência decidiu mandar investigar esta denúncia à Autoridade Administrativa (Administração do Concelho – Ofício n.º 114-A de 20 de Março de 1933) e o resultado foi apresentado na reunião de 8 de Abril através de um ofício no qual se dizia que “tenho a honra de informar que sendo chamado a esta repartição o proprietário do Jornal “O Cávado” pelo mesmo foi dito que quem o informou do desvio dos livros da Biblioteca Municipal foi o falecido contínuo da Câmara José Maria de Magalhães Barros Lopes, não podendo, por conseguinte, esclarecer nada sobre o assunto”.

Também o Secretariado Nacional enviou um ofício à Câmara em 20 de Fevereiro de 1934, cumprindo o que estipulava o art. 6.º do DL de 25 de Setembro de 1933, solicitando informações sobre a Biblioteca Municipal. As questões colocadas ao executivo eram se neste concelho existia uma Biblioteca Municipal, se a Câmara já tinha tomado deliberações sobre a organização da Biblioteca Popular e, ainda, se neste concelho existiam bibliotecas pertencentes a entidades públicas ou particulares e que fossem de fácil acesso ao público. Curiosamente a Câmara respondeu que em Esposende não existiam quaisquer bibliotecas.

Curiosamente, e porque fomos o primeiro Bibliotecário e fundador da Biblioteca Municipal de Esposende, em 1882, numa primeira fase com o valioso apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, e a partir de 1992, com fundo próprio, constatamos não haver qualquer fundo bibliográfico anterior, unicamente meia dúzia de livros antigos, em péssimo estado (sem recuperação), que pela nota manuscrita do pertence, vieram de Alcobaça, e arrumados no sótão do edifício municipal.

Da listagem das obras “enviadas” pelo Deputado Conde de Castro e, “certamente” entregues em Esposende elegemos estas cinco obras seiscentistas:

Padre Frey  Afonso da Cruz (Ponte da Barca 1540-1619) - Espelho de religiosos: em o qual vendose, e compondose as pessoas religiosas, poderão com o favor divino,  chegar com facilidade à perfeição. / Auctor o Padre Frey Afonso da Cruz... - Em Lisboa : por Pedro Craesbeeck,  1622.

Siro Ulperni - O Forasteiro admirado: relaçam panegyrica do triunfo, e festas, que celebran o Real Convento do Carmo de Lisboa, pela Cononização da Serafica Virgem S. Maria de Pazzi... ;

Lisboa; Oficcina de Antonio Rodríguez d'Abreu, 1672

Padre Alexandre de Gusmão - Escola de Bethlem,  Jesus nascido no prezepio / pello P. Alexandre de Gusmam da Companhia de Jesu da Provincia do Brazil: dedicado ao Patriarcha S. Joseph. - Evora: na Officina da Universidade,  1678.

Padre Dom Antonio Ardizone Spinola – Cordel Triplicado de Amor a Christo Jesu Sacramentado ao Encuberto de Portugal nacido, a seu Reyno Restaurado: Lançado em três Livros de Sermoes … Lisboa: Na Impressão de António Craesbeeck de Mello, 1680

Nota - Este livro raro foi proibido e mandado destruir em 1775 pela Mesa Censória 

Frei João dos Prazeres - O principe dos patriarcas S. Bento. Primeiro Tomo. De sua vida, discursada em emprezas politicas e predicaveis, pello... Fr. João dos Prazeres... Offerecido ao... P.e Fr. João Ozorio Dom Abbade Geral da Congregação do mesmo Principe, 2 volumes, Em Lisboa: na Impressão de Antonio Craesbeeck de Mello impressor da Caza Real, e á sua custa, 1683-1690.









A ARTE NOS JUGOS DO BAIXO CÁVADO

 

A ARTE NOS JUGOS DO BAIXO CÁVADO

 

Manuel Albino Penteado Neiva

 

 


 

“Se me perguntassem em que nação se observa maior variedade do modo de jungir os bois, sem vacilar, designaria Portugal”

 

Eugeniusz Frankowski – As cangas e os jugos portugueses…, 1916


Depois de revisitar dezenas de jugos que, desde 1982, tenho vindo a inventariar no concelho de Esposende, e tal como Eugeniusz Frankowski, etnógrafo polaco, atrevo-me a dizer que os nossos jugos são, porventura, dos mais formosos do mundo e peças que, desde crianças, nos habituamos a contemplar.Ao entrar num quinteiro ou na casa da eira de um lavrador do Minho, neste caso do concelho de Esposende, é provável que sejamos confrontados com belíssimas obras de jugueiros que, por já não serem necessárias, se encontram abandonadas, quiçá à espera de irem parar a uma lareira numa noite de invernia.O nosso vocabulário sempre foi enriquecido com palavras tão usadas no dia-a-dia dos nossos lavradores e que faziam parte da arte de jungir o gado. Quem não se lembra de ouvir falar do tamoeiro (couro que prendia o jugo à cabeçalha do carro), das piáças (que prendiam o jugo aos cornos), do temão (que segurava o jugo à cabeçalha), do cangalho (onde os bois metiam o pescoço) ou mesmo da partizela (ferro que ajustava o arco ao jugo).

 

Os Jugos

Não há dúvida que os jugos desta região primam pela riqueza dos motivos decorativos, não sendo verdade que, como alguns estudiosos/etnólogos procuraram dizer, estes jugos, dada a sua riqueza ornamental, não eram usados em trabalhos agrícolas mas só para ocasiões festivas - romarias, feiras, concursos pecuários e cortejos sendo mais um remate alegórico, um ornato festivo, um orgulho para os camponeses. Claro que quanta mais decoração maior é o jugo e, por seu lado, mais pesado se torna “para as cabeças leais dos bois ruminantes e fortes”. Mesmo assim, com toda esta decoração, eram objectos de trabalho e de uso diário.

Eram construídos tendo por base uma prancha ou tábua de madeira de carvalho, salgueiro, castanho, loureiro e mesmo freixo – dado ser uma madeira rija mas, em simultâneo, flexível e fácil de trabalhar, variando a sua dimensão entre 1,1m e os 1,5m, de largura, por 30 a 60 cm de altura. Normalmente tinham uma forma trapezoidal. A parte superior podia ser recta ou, então, formando ao centro um corte de telhado de duas águas com uma decoração arqueada ou dentada sendo esta orla superior enfeitada com pincéis de crina de cavalo, alternados de branco e preto, chamados cabelos e tantas vezes substituídos por elementos vegetais.

Curiosamente o grande poeta, da Grécia antiga, Hesíoso (séc. VIII ou VII a.c.), na sua obra “As Obras e os Dias” faz referência aos jugos que eram encimados por tufos de crinas de cavalo.

 

As decorações

A simetria impera na ordem decorativa dos jugos.

São variadíssimas as decorações que nos aparecem nos jugos variando entre baixos-relevos, abertos ou vazados e linhas sulcadas, habilmente trabalhadas com compassos de madeira, serras, verrumas, goivas, enxós, grosas, meias-canas e formões que entalhavam e lavravam, com mestria, covos regulares e unidos.

Os vazados, que conferem ao jugo grande beleza e leveza, aparecem-nos em forma de círculos, simples ou entrelaçados, de estrelas, de janelas ou frestas.

Segundo Armando de Matos, as decorações dos jugos podem dividir-se em simbólicas (tipo rosáceas) e decorativas (frisos e linhas). Já Leite de Vasconcelos opta por dividir estes belíssimos ornatos em símbolos extintos (crenças), símbolos vivos (religiosidade e magia) e ornatos simples (figuras geométricas).

À mistura, aparecem-nos desenhos representando meias-luas, cruzes, signos-saimão, estrelas, sois e astros, rodas, corações, custódias, flores, frutos, ramos, aves e peixes que, na opinião do grande etnólogo de Ucanha, Leite de Vasconcelos, poderão traduzir reminiscências de antigos cultos. Em muitos casos aparecem representações de figuras humanas e quadrúpedes. Nalguns casos a decoração é tão exuberante que nos faz recordar os baixos-relevos e os embrechados hispano-árabes de Alhambra (Granada - Espanha).

É natural que surja no pensamento de todos nós a pergunta sobre origem de toda esta decoração. É evidente que não será fácil responder. Representam uma secular manifestação de uma actividade artística tradicional e, numa análise muito simplicista, digamos que advêm da pura imaginação dos seus obreiros e, por isso, classificada com arte popular. Será mesmo assim?

Na Crónica de D. Pedro I, Fernão Lopes descreve um lauto jantar, aquando da vinda da rainha de Espanha, filha de D. Afonso IV, e que na mesa foram colocados dois bois assados ligados por um jugo muito enfeitado.

Ao olhar atentamente para os nossos monumentos, mesmo aqueles que remontam a eras mais remotas (dólmenes) vamos descobrir decorações que se replicam nos jugos. Não é por acaso que alguns estudiosos procuram explicações na civilização micénica, pelo menos muitos dos elementos decorativos estão aí presentes como os tão comuns triscelos e o tetrascelos ou ainda em civilizações mais recentes (românico) como a flor bizantina ou mesmo o chamado cata-sol (flor do girassol).

É, por isso, natural que os primeiros entalhadores de jugos olhassem, atentamente, para esses monumentos e lhe copiassem os elementos decorativos.

Se quisermos ser mais poéticos, entramos pelo caminho da contemplação e vemos esses artistas a olharem atentamente as curvas das montanhas ou mesmo o balançar das ondas do mar e imaginarem as curvas e contracurvas que enriquecem as peças saídas das suas mãos.

Não são raros os exemplos de jugos onde aparecem datas e nomes, sendo nestes dos proprietários ou dos próprios artífices.

 

Jugo 1

Ano - 1905

Com forma trapezoidal, muito simétrico na distribuição dos elementos decorativos.

O elemento central é a cruz florenciada, ladeada por elementos vegetalistas e encimada pela data 1905 e suportada por um enxaquetado.

A cabeça apresenta ao centro um suave corte de telhado de duas águas com uma decoração dentada.

A orlar o jugo surgem ramagens com folhas e frutos.

Praticamente toda a área central do mesmo é preenchida com elementos vazantes, de grande rigor estético, á base de janelas, frestas e meias-luas.

Na parte inferior duas flores bizantinas.

 

Jugo 2


Ano - 1943

Muito semelhante ao Jugo n.º 3 e, poder-se-á dizer, saído das mãos do mesmo jugueiro pois foi usada a mesma gramática decorativa, salvo algumas alterações que vamos evidenciar.

A figura central é o baixo-relevo de S. João Baptista com o lábaro e o cordeiro, encimado pela data 1943.

Em termos de elementos vazados, estes aparecem-nos na parte mais central, e representam círculos entrelaçados, janelas e frestas.

Os baixos-relevos que entremeiam os vazados, representam flores, folhas, e aves que debicam frutos.

Na parte superior, ao centro, um cesto de onde saem elementos vegetalistas, com folhas e frutos, de difícil identificação.

A parte inferior do jugo é rematada com rosáceas e elementos curvilíneos e contra-curvilíneos.

 

Jugo 3


Ano - 1944

Um dos maiores jugos desta recolha.

Apresenta ténues formas trapezoidais e aqui a simetria da decoração está bem patente. A cabeça é rectilínea e decorada com crinas de cavalo. As laterais são rematadas com elementos arqueados.

A decoração central representa as figuras de S. José, carpinteiro, e do Menino Jesus, a trabalhar na arte. Vêem-se a banca, o machado, a serra e a enxó. Tudo acompanhado pela legenda “Jesus Ajuda S. José”.

Em termos de elementos vazados, estes aparecem-nos na parte mais central, e representam círculos entrelaçados, janelas e frestas. Os baixos-relevos que entremeiam os vazados, representam flores, folhas, árvores, frutos e aves. Assim, de forma simétrica, em cada lado, existe um vaso de onde sai uma pereira folhada e frutada que se eleva até à parte cimeira do jugo e suporta uma ave que debica um cacho de uvas.

Na parte superior, ao centro, um cesto que suporta a data de 1944, saindo dele duas uveiras folhadas e frutadas que se estendem lateralmente.

A suportar os círculos entrelaçados dois vasos de onde saiem dois ramos folhados e floridos de framboesas.

A parte inferior do jugo é rematada com rosáceas e elementos curvilíneos.

 

Jugo 4

Ano - 1955

Jugo baixo, com ligeira forma trapezoidal.

O elemento central é a Cruz da Trindade, inserida num nicho com arco de volta inteira.

A cabeça apresenta ao centro um suave corte de telhado de duas águas com uma decoração arqueada.

A orlar o jugo surgem elementos geométricos contracurvados e ponteados.

Praticamente toda a área central do mesmo é preenchida com elementos vazantes á base de janelas e frestas.

Na parte inferior dois pentagramas.

 

Jugo 5

Ano - 1964

Considerado, também, um jugo baixo.

Apresenta ténues formas trapezoidais. A cabeça é quase rectilínea e decorada com crinas de cavalo. As laterais são rematadas com elementos arqueados.

O bordo superior do jugo é decorado com losangos preenchidos ora com flores, ora com meias-luas. Imediatamente a seguir um friso de círculos entrelaçados e vazados.

A decoração central representa uma Cruz da Trindade rodeada por elementos vegetalistas e por duas janelas.

A parte inferior do jugo é decorada com curvas e contra-curvas preenchidas com meias-luas.

Em destaque aparecem os pentagramas ou signos-saimão e os sois.

 

 

Jugo 6


Mais um jugo de grandes dimensões.

Apresenta forma trapezoidal.

A cabeça apresenta ao centro um suave corte de telhado de duas águas.

O centro é ocupado por um vaso com flores estilizadas tendo a seu lado elementos solares.

Possui uma decoração muito exuberante à base de elementos vegetalistas com vazamentos entre si. A parte inferior do jugo apresenta vazados em forma de janela e frestas.

Toda a borda do jugo é preenchida com baixos-relevos de ramos folhados.

Curiosamente em alguns elementos aparece a letra N que poderá ser uma forma subliminada de identificar o seu artífice.

 

 

Jugo 7

Jugo baixo, com ligeira forma trapezoidal.

O elemento central é a Cruz ornamentada com folhas.

A cabeça apresenta ao centro um suave corte de telhado de duas águas com uma decoração arqueada.

A orla do jugo, na parte superior, está decorada com duas fiadas de meias-luas, sendo as laterais decoradas com olhos.

A área central do mesmo é preenchida com elementos vazantes á base de janelas e frestas.

Na parte inferior duas rosáceas com seis folhas.

 

Jugo 8

Jugo baixo, com ligeira forma trapezoidal.

Está praticamente equipado com todo o material: arco, partizela, tamoeiro, piáças e temão.

O elemento central é o pentagrama ou signo-saimão ladeado por dois corações.

A cabeça apresenta ao centro um suave corte de telhado de duas águas com uma decoração arqueada.

A orla do jugo, na parte superior, está decorada com elementos geométricos (olhos e meias-luas) que descem pela lateral.

As meias-luas decoram, também a parte central do jugo.

 

Jugo de Chocolate da Nélia

Data 1967

Matéria-prima – Chocolate

Fabrico – 200 horas

Executante – Nélia - Manuel Dias Ferreira

Medalha de Ouro na XII Exposição Internacional de Pastelaria-Confeitaria.

Terá sido na década de 50, do século passado, que se iniciaram as grandes Exposições Internacionais de Pastelaria-Confeitaria. Das mãos dos mais consagrados chocolateiros saíam belíssimas obras de arte onde figuravam os nossos mais importantes monumentos e objectos com história. Nessas mostras apresentaram-se, entre outros, o Mosteiro dos Jerónimos, a Batalha, a Torre de Belém assim como exemplares dos mais belos coches guardados no rico Museu dos Coches, em Lisboa. Em alguns desses concursos destacaram-se as peças saídas das mãos do Mestre Pasteleiro/Chocolateiro João Silva de Sousa (1929-2014), natural de Vila Verde.

Fugindo a representação dos grandes monumentos, a Nélia, de Esposende, que já se vinha a impor, desde 1960, como pastelaria (nélias, dulces, esquimós o torrão Nélia, etc.) e chocolataria de excelência, quis honrar o trabalho dos jugueiros, lembrando, em simultâneo, o árduo trabalho do lavrador, e escolheu um artístico jugo, em chocolate, que mereceu os aplausos dos entendidos e do Júri da XII Exposição Internacional de Pastelaria-Confeitaria, sendo-lhe atribuída a Medalha de Ouro.

 

Conclusão


O trabalho destes obreiros de jugos está praticamente extinto e com eles perde-se uma valiosa fatia da nossa identidade cultural.

Com o desaparecimento da agricultura tradicional e a mecanização da mesma, era natural que os jugueiros e os jugos estivessem em vias de extinção. Acontece, porém, que são frequentes a aquisição destas peças, já altamente personalizadas, para fins puramente decorativos. Confessa um velho jugueiro que “as pessoas que vão a sua casa comprar jugos já não são os lavradores, mas pessoas que gostam deles para decoração”.

Ainda bem que é assim.

A ESTAÇÃO RADIOGONIOMÉTRIACA AERONAVAL DE APÚLIA - PARA MEMÓRIA FUTURA –

 



A ESTAÇÃO RADIOGONIOMÉTRIACA AERONAVAL DE APÚLIA

- PARA MEMÓRIA FUTURA –





Por – Manuel Albino Penteado Neiva



Poder-se-á dizer que após a II Guerra Mundial (1945) e a nossa entrada na NATO (1949), aliada ainda a necessidade de reforçar o apoio à navegação transatlântica, Portugal procura dotar a sua extensa costa com Estações Radiotelegráficas. Aliás, esta política de controlo do mar, através destes equipamentos rádio, começa muito antes, recuando mesmo à Primeira Guerra Mundial. Foi, no entanto, na década de 40 que mais se faz notar a necessidade do recurso a estas tecnologias, de forma a prestar assistência à Unidade de Aviação Naval. Começa-se a falar, com frequência, na necessidade de dotar o norte do país com uma moderna Estação Radiogoniométrica, «integrada numa rede de ondas médias e curtas destinadas à vigilância estratégica em casos de guerra, bem como a prestar assistência técnica de alta precisão e a grande distância à navegação marítima e à aviação naval, independentemente da colaboração que pode prestar em casos de busca e salvamento e na orientação de aviões que se vejam em dificuldade por deficiência de visibilidade».
A Marinha apresenta ao governo as suas pretensões nesta matéria. Vê publicado o Decreto-Lei 35 126, de 13 de Outubro de 1945 - quiçá o primeiro documento a falar, publicamente, sobre esta Estação, o qual adjudicava a sua construção que teve inícios a 29 de Março de 1946. Do projecto constava uma Central Receptora, em Apúlia, e a Central Transmissora em A Ver-o-Mar, Póvoa de Varzim.
Não foi um processo fácil já que implicou a expropriação de mais de 14 hectares de terreno, numa zona muito fértil de Apúlia, até onde chegavam os tradicionais campos de masseira de cultura intensiva, situados à face da estrada Nacional 13 (Porto-Viana), havendo, por isso, reacções negativas da população.
A Estação estava dotada com cerca de 12 edifícios destinados ao aquartelamento, cozinhas, cantina, posto médico, reservatório para águas, postos de observação, etc., cobrindo uma área aproximada de 1800 metros quadrados. Sabe-se, pela documentação, que o seu custo foi de 8.450$00 – sendo 450 gastos em compra de terrenos, 1000 no equipamento eléctrico e os 7000 restantes em trabalhos de regularização do terreno, esgotos, canalização de águas drenagens, energia eléctrica, mobiliários e edifícios.
O autor do projecto desta Estação foi o arquitecto Jorge Segurado (Ver Caixa 1).
Os trabalhos foram acompanhados pelo Eng. Álvaro David, Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte.
Ao fim de 4 anos de trabalhos, ficou concluído este equipamento que foi solenemente inaugurado a 21 de Janeiro de 1950 com a designação de «Estação Radiogoniométrica e Aeronaval da Apúlia» ficando sob responsabilidade da Marinha e da Direcção do Serviço de Electricidade e Comunicações e cuja missão era o apoio ao serviço móvel marítimo, até uma distância de 500 milhas da costa, com pendor para a salvaguarda da vida humana no mar, escuta permanente das frequências internacionais de socorro, difusão de avisos à navegação e boletins meteorológicos, exploração de circuitos relativos às missões da Marinha de Guerra Portuguesa e, naturalmente, actividades do âmbito exclusivamente militar.


A NOVA DENOMINAÇÃO E A HERÁLDICA DA ESTAÇÃO


A portaria n. ° 16573, de 5 de Fevereiro de 1958, mudou a sua denominação para «Estação Radionaval da Apúlia» e, mais tarde, pela Portaria n.º 601/76, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 241, de 14 de Outubro de 1976, do Conselho da Revolução - Estado-Maior da Armada, rectificada pelos Serviços de Apoio do Conselho da Revolução, em 2 de Novembro de 1976, documento assinado pelo Secretário Permanente, Nuno Alexandre Lousada, coronel de infantaria, passou a chamar-se «Estação Radionaval Almirante Ramos Pereira» (Caixa 2).
Esta homenagem do Conselho da Revolução ao Almirante Ramos Pereira tem a ver com o seu percurso antifascista e pelo facto de ter integrado e estado na preparação do golpe do 25 de Abril de 1974.
Por despacho de 16 de Setembro de 1985, do Chefe do Estado-Maior da Armada, foi autorizado que esta Estação tivesse heráldica própria.
«De azul, semeado de raios de oiro, com duas redes de apanha de sargaço e respectivos cabos em aspa, de prata. Coronel naval de oiro, forrado de vermelho. Sotoposto listel de prata com a seguinte legenda em letras maiúsculas negras tipo Elzevir «E. R. N. ALMIRANTE RAMOS PEREIRA».


CAIXA 1 - BIOGRAFIA DO ARQUITECTO DA ESTAÇÃO
Jorge de Almeida Segurado (1898-1990) foi um notável arquitecto, um dos pioneiros da linguagem modernista na arquitectura portuguesa. Numa fase inicial abraçou o “gosto oficial, neo-tradicional, do Estado Novo” vindo a demarcar-se e seguir “os princípios do idioma modernista”, corrente que se vinha a impor na arquitectura internacional.
Os seus projectos da década de 1920, são influenciados pela herança clássica e pela Art Déco. São, no entanto, dos anos 30, do século XX, as suas obras mais marcantes, nomeadamente a Casa da Moeda, que foi considerada "uma das mais interessantes edificações dos anos 30 portugueses" e o próprio Liceu D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, altura em que Jorge Segurado assume o estilo do Estado Novo, por norma, chamado de Português Suave, tendo ganho, em 1947, o Prémio Valmor.
A década de 40 e 50 levam o arquitecto a “vaguear”, claramente, entre as opções modernistas e as de pendor mais tradicional.



CAIXA 2 - BIOGRAFIA DO SEU PATRONO

Contra- Almirante Ramos Pereira (1901-1974)




Jorge Maia Ramos Pereira foi um distinto Oficial da Marinha Portuguesa, “resistente antifascista, homem de grande estatura intelectual e firmeza de carácter” e, por isso, perseguido, constantemente, pela polícia política. Foi candidato da CDE, por Viana do Castelo, nas eleições de 1969. Em 1973 fez parte da comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro.
Nasceu em Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a 6 de Abril de 1901, falecendo em Lisboa no dia 16 de Março de 1974. Era casado com Maria da Graça Lopes de Mendonça, neta de Henrique Lopes de Mendonça que escreveu, como reacção ao Ultimato Inglês (1890), uma marcha – A Portuguesa - para a música de Alfredo Keil, mais tarde, 1910, adoptada como Hino Nacional.
Combateu a Monarquia do Norte, integrado no Batalhão Académico, tendo-se voluntariado para a Serra de Monsanto a fim de combater as forças monárquicas aí instaladas.
Em 1920 ingressou na Escola Naval e, por isso, passa a integrar a Armada Portuguesa. Foi promovido, em 1925, a Segundo-Tenente com a especialidade em rádio e electricidade. Em 1930 integrou a guarnição do cruzador Adamastor, com missões no Extremo Oriente revelando-se um especialista em radiocomunicações, radiotelegrafia e motores de combustão interna. Entre 1932 e 1935 foi professor dos cursos de radiotelegrafistas, desempenhando funções de relevo na Direcção do Serviço de Electricidade e Comunicações (DSEC) onde, em 1944, assume o cargo de Director. Antes, em 1936, durante a guerra civil espanhola, foi Oficial Imediato do contratorpedeiro Douro, prestando enormes serviços ao governo republicano.
Ao longo da sua carreira, dirigiu a construção e experimentação de novos equipamentos de comunicações.
Em 1954, como Capitão-de-Fragata, parte em missão de soberania a Goa, Damão e Diu, numa altura em que a Índia já reclamara a Portugal a entrega daqueles territórios. Regressando em 1956, é nomeado chefe da Divisão de Informações e posteriormente subchefe do Estado-Maior Naval interino e, em 1957, é escolhido para frequentar, nos Estados Unidos, o Naval Command Course.
Já no posto de Comodoro, assume a direcção do Instituto Superior Naval de Guerra. Foi promovido a Contra-Almirante em Julho de 1960 mas por divergências com o Ministro da tutela, demite-se e passa à reserva em 1966. Mesmo assim ainda é convidado para Director do Museu da Marinha, cargo que ocupa entre 1968 e 1971.
Em 1982 foi, a título póstumo, agraciado pelo Presidente da República com a Comenda da Ordem da Liberdade. Nessa altura, foi homenageado com a atribuição do seu nome à Estação Radionaval de Apúlia e inaugurada um monumento com o seu busto, hoje, transferido para o Comando da Zona Marítima do Norte.



A INAUGURAÇÃO DA ESTAÇÃO


No sábado invernoso de 21 de Janeiro de 1950, pelas 11 horas, o concelho de Esposende, Apúlia mais precisamente, engalanou-se para receber as altas individualidades que aqui se deslocaram para inaugurar a nova Estação Radiogoniométrica Aeronaval, nomeadamente o Sr. Ministro da Marinha, Almirante Américo Tomás (1894-1987), que vinha acompanhado pelo seu Ajudante de Campo, 1.º Tenente Guilherme Tomás, e o Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich que viajou, de Lisboa até Pedras Rubras, num avião da Marinha de Guerra, tripulado pelo capitão-tenente Ferreira da Silva, 2.º comandante da Base Aérea de S. Jacinto, acompanhado do seu secre­tário sr. Castro Freire e do enge­nheiro Pinto Basto.
O Ministro das Obras Públicas, antes de chegar a Apúlia, ainda parou em Azurara, onde visitou os terrenos destinados à construção do Emissor Nacional do Norte, sendo aí recebido por Manuel Bivar Leote, da direcção da Emissora Nacio­nal.
À entrada da Estação Radiogoniométrica Aeronaval da Apúlia, e à espera dos Ministros, entre outros militares, encontravam-se o Almirante Oliveira Pinto, major-general da Armada, o General Manuel Couto, Comandante da 1.ª Região Militar, o Comandante Ramos Pe­reira, Director dos Serviços de Electricidade e Comunicações do Mistério da Marinha, o 2.º Tenente António Rocha Calhorda, Director desta nova Estação, o Comandante do Porto de Viana do Castelo e o Tenente Pereira Serra, Delegado Marítimo de Esposende. Em termos de autoridades civis viam-se o Major Nery Teixeira, governador civil de Braga, o Rev. P.e Manuel Martins de Sá Pereira, Presidente da Câmara Municipal de Esposende e o Dr. Mário Norton, Presidente da municipalidade de Barcelos e Procurador à Câmara Corporativa.
A honra militar era prestada pelas praças, sargentos e oficiais do contra-torpedeiro «Vouga», liderados pelo seu Capitão-tenente António Ferreira de Oliveira.
Também a população local quis marcar presença e, fazendo alas, viam-se os professores e as crianças das Escolas Primárias, Bombeiros Voluntários de Esposende e Vizela, Casa do Povo de Apúlia, com o seu estandarte, e um “rancho de raparigas em trajes regionais pertencentes ao Rancho da Casa do Povo de Apúlia”.
Depois de visitar as instalações, a comitiva dirigiu-se para a denominada Sala dos Marinheiros onde aconteceu uma Sessão Solene onde o Comandante Sousa Uva, Presidente da Comissão Administrativa das Novas Instala­ções para a Marinha (C. A. N. I. M), salientou a importância desta Estação Radiogoniométrica “como novo e valioso meio de execução das múltiplas funções que lhe cabem e que são de real importância para a vida do país e para a defesa nacional” e, com ela se “permitirá ampliar e tornar mais eficientes os serviços de assistência, radiogoniométrica de alta precisão a grande distância à navegação marítima e aérea”.
Esta Estação de Apúlia iria coadjuvar o trabalho já prestado pelas Estações do Montijo e da Horta e, sem dúvida, as duas primeiras, separadas por mais de 300 quilómetros, já seriam capazes de “assegurar as direcções azimutais e a posição de qualquer navio ou aeronave em zona de maior tráfico do Atlântico Norte”. Para completar o controlo nacional faltaria uma Estação mais a sul e aí, ficariam cobertos o Atlântico e o Mediterrâneo.
Na altura foi salientado que “o desenvolvimento ex­traordinário do tráfego aéreo interna­cional nos últimos anos e a nossa privilegiada situação geográfica fizeram do país, passagem natural de numero­sas linhas de navegação aérea internacional que ligam a Europa e Médio Oriente, ao continente americano e às zonas Sul e Oeste da África ao oci­dente europeu”.
Sousa Uva não deixou de referir a importância das Estações de Rádio-marinha durante a II Guerra Mundial que permitiram um contacto permanente com as longínquas possessões de Macau e Timor e, também, o controlo mais eficiente das “actividades radiotelegráficas ilícitas no território nacional, as­segurando a pesquisa e descoberta doa postos emissoras ao serviço da espio­nagem e informações clandestinas”.
Um dos serviços que aqui, também, seriam prestados, e de grande utilidade nacional, era os de Meteorologia.
A Sessão solene terminou com a leitura, feita pelo Comandante Ramos Pereira, do Auto de Inauguração que, no final foi assinado pelos Ministros e pelas individualidades presentes.
Houve ainda tempo para condecorações, entre as quais merece especial referência a entrega da Ordem de Cavaleiro do Mérito Industrial ao Operário Especializado Carlos Marques Carvalhais que trabalhou naquela obra.
A Estação Radionaval Almirante Ramos Pereira, em Apúlia, foi desactivada em 2001 e a partir daí assistimos a um abandono total deste espaço e à ruína e vandalização dos edifícios que se podem considerar de valor arquitectónico. Tudo ficou a saque, edifícios, mobílias, muros e até documentação.
Um monumento que antes serviu Portugal, que recebeu a classificação de Património Arquitectónico (IPA – 00016889 - Antigo: PT010306020025), espera por um rápido restauro e, quiçá, possa voltar a ser um espaço de que todos nos possamos orgulhar e redimir de um crime de Lesa-património, evitando assim alinhar com todos os que afirmam que se “um estado que não é capaz de gerir o seu património não merece o respeito do seu povo”.
A Câmara Municipal de Esposende, em boa hora, adquiriu este património pretendendo, em colaboração com a Universidade do Minho, criar aí o Instituto Multidisciplinar de Ciências e Tecnologia Marinha, conforme protocolo assinado entre as duas instituições.