FORJÃES NA TRADICIONAL ARTE DOS BONIFRATES COM
MESTRE DOMINGOS BASTO MOURA
Por: Manuel Albino Penteado Neiva
Henrique Duarte, Bonecreiro Popular Português
Quem não se
lembra de ir a uma feira e parar em frente de uma barraca onde se exibiam
aqueles bonecos barulhentos, truculentos mas, lá no fundo, engraçados e
vistosos, não pelo seu trajar, mas pelas cores garridas das chitas ou
bramantes? Traulitada para aqui, traulitada para ali, estavam sempre dispostos
a dialogar com os mais novos que, sentados no chão e de olhos bem abertos,
ocupavam a primeira fila. Diga-se que a minha experiência, além de admirador
desta arte de bonifrates, nas festas e feiras das terras vizinhas, nomeadamente
nas Cruzes, em Barcelos, resume-se a pequenos espectáculos, com improvisadas marionetas, com que mimava os meus
sobrinhos mais pequenos, que, sentados no chão da cozinha, esperavam, ansiosos,
pela aparição dos bonecos no janelão
que ligava aquele espaço ao corredor, assim como pelas primeiras onomatopeias
já que não dominava o uso de qualquer tipo de palheta. Bons tempos!
Poder-se-á dizer que esta arte vem no seguimento do tradicional desempenho da figura grotesca do Polichinelo e trazida para Portugal, quiçá no século XVII, por marionetistas italianos e franceses. Há quem defenda que a prevalência do nome Roberto, terá a ver com uma comédia de cordel com grande repercussão, intitulada "Roberto do Diabo".
Estas
representações, quer os textos, a maior parte das vezes transmitidos pela
oralidade, quer os gestos, quer mesmo os próprios bonecos, eram alvo de algumas
críticas e até considerados impróprios para alguns lugares. Irene Margarida diz-nos
que as estruturas da igreja se recusavam a que estes “teatros” acontecessem nos adros das igrejas. Recordemos que alguns
roberteiros adaptaram representações sacras às exibições dos robertos o que,
como diz o povo, não dava certa “a letra
com a careta”.
Para os
menos atentos, há diferenças entre a manipulação da marioneta e do fantoche –
onde se empregam os cordéis e arames, e a manipulação do roberto ou títere que
é feita directamente pelas mãos ou dedos, como de luva se tratasse, daí se
chamarem, constantemente, bonecos de luva. Um elemento fundamental para estas
representações é a palheta, habilmente preparada à base de duas finíssimas
chapas metálicas e um pouco de fita de nastro, colocada na boca para a obtenção
de um som estridente, que caracteriza o teatro de robertos.
Estamos a
falar de um trabalho artesanal de muita paciência.
Um dos
grandes estudiosos e profundo conhecedor desta arte dos bonifrates é, como já
dissemos, Francisco Mota, um excelente titereiro, fundador
do Teatro de Robertos situado na Rua do Almada, no Porto. Aí se conservam as
memórias desta arte de rua e, por coincidência, alberga o espólio que pertenceu
a Mestre Domingos Basto Moura.
O Mestre Domingos Moura
De nome
completo Domingos Basto Moura, nasceu no Largo de S. Roque, Forjães -
Esposende, no dia 19 de Junho de 1921. Era
filho de Manuel António Dias Moura, natural de Forjães e de Antónia Gonçalves
Bastos natural da vizinha freguesia de Aldreu concelho de Barcelos Era um
exímio manipulador de robertos iniciando esta sua actividade artística por
volta de 1940. Para além de manipular era ele quem confeccionava os seus
próprios robertos.
Morreu a 14
de Abril de 1995, sem que o próprio jornal da terra, que o viu nascer, se
alongasse mais que uma linha na notícia. Em 2005 tivemos a honra de coordenar e
publicar a Rota do Artesanato de Esposende, iniciativa do Rotary Club desta
cidade, na qual figura uma pequena biografia de Mestre Domingos Moura. Em 2008
foi Cândido Rodrigues que, usando o seu blogue Simplesrecanto, recorda este mestre bonequeiro lamentando que “ainda
não foi alvo da homenagem que merece pelos serviços prestados à cultura popular
deste país”,
recordando-o como “um dos maiores no teatro de marionetas
(robertos) do século passado”,
desafiando os “seus conterrâneos
forjanenses à homenagem que merecem todos aqueles que lutam ou lutaram pela
preservação e divulgação da cultura popular”. Também a Dra. Irene
Margarida, no seu trabalho Vivências I,
editado em 2010, dedicou um texto a Domingos Moura.
Terá sido
por volta de 1940-50 que Mestre Moura terá tido os primeiros contactos com os
robertos. Aprendeu e exercitou esta arte no conhecido "Pavilhão Mexicano” de Manuel Rosado que já albergava mais de 100 pessoas e que contava com um elenco de 6
colaboradores manipuladores de marionetas de fio e bonecos de luva. Havia
ainda, para animar, uma orquestra musical. Foi precisamente neste ambiente que
nasceu, para artista, o nosso Mestre Domingos Basto Moura.
Mais tarde,
actuando por conta própria, percorria as feiras e romarias e, fora de época,
montava, com frequência, o seu teatro itinerante, diga-se pequena barraca ou
guarita, na cidade do Porto, escolhendo os Jardins da Cordoaria ou os
do Marquês, mas também a Rotunda da Boavista ou o Largo da Maternidade Júlio
Dinis. Os Domingos era os dias escolhidos, sempre ao final das missas, pois
teria público certo e acabava por arrecadar umas moedinhas. A época de Verão
era sempre o seu S. Miguel, percorrendo as praias do norte, desde Moledo até ao
Porto. Segundo informação colhida no texto de Irene Margarida, Mestre Moura
chegou a apresentar-se em Lisboa e no Algarve.
Cada
bonecreiro criava os seus próprios robertos e Basto Moura, nas suas paragens
por Matosinhos, aliás onde viveu, criou e celebrizou o seu a quem chamou Artur
ou Arturinho. Em termos de representações o seu repertório era, mais
ou menos, o tradicional, com textos burlescos, com predominância para o da Tourada à Portuguesa, O Barbeiro Diabólico e o Assalto à Casa do Lavrador Avarento.
Enquanto
colaborador de Manuel Rosado, de certeza que apresentou inúmeras vezes
o repertório deste grande roberteiro como Carolina
e o Esqueleto, O Milagre de Santa
Isabel, o Zé do Telhado, Marquês de Pombal e os Jesuítas, o Zé da Aldeia, o Milagre de Santo António e tantos outros.
Depois de
muitas dificuldades, e agruras da vida, acabou por adoecer. Resolveu passar os
seus últimos dias na sua terra Natal. Acomodou-se numa pequena barrava de
matraquilhos, localizada no Largo de S. Roque, actividade que
explorava depois de impossibilitado de continuar com a sua arte de roberteiro. Foi
neste exíguo e desaconchegado espaço onde faleceu.
Para a
feitura dos seus bonecos usava, sobretudo a madeira de pinho, esculpindo a
cabeça e apurando os pequenos detalhes, dos mesmos, com pequenos formões e
canivetes. O corpo ou vestido era elaborado à base de chita e cretone ou
bramante, de preferência muito colorido, multicolor e florido.
Havia a
guarita, leve e fácil de montar e transportar, e a maleta onde eram arrumados
os bonecos.
Felizmente
que o Teatro de Robertos, quiçá uma das mais antigas tradições das artes
cénicas, depois de passar por momentos de quase extinção, foi abraçado por
muitos artistas e, novamente, reposto nos palcos e praças públicas. Merecem
todo o destaque, nesta área, o Teatro Dom Roberto, com o hábil manipulador de
robertos José Gil, Victor Manuel Costa – o Santa-Bárbara, que, de certeza,
tiveram como exemplos os velhos mestres bonecreiros da década de 1950, como
Manuel Rosado, Domingos Basto Moura, António Dias e Faustino Duarte, dono do
pavilhão Três Irmãos Unidos.
Nas
palavras de Manuel Rosado, vários factores terão contribuído para que estes
espectáculos abandonassem as feiras e romarias “o aluguer das camionetas
de carga, que é caro, as pessoas que se demoram hoje pouco tempo nas feiras, o
ruído de milhentos altifalantes e a televisão, foi o que causou o afastamento
do público rural”.
Para além disso, segundo Manuel Rosado, esta arte perde a sua magia a partir do
momento em que “a televisão mostra como
se manipulam as marionetas, pondo a descoberto segredos que nós nunca revelamos”.
A primeira
tarefa, e urgente, foi a recolha dos textos mais antigos como O Barbeiro, A Rosa e os Três Namorados, A
Tourada, O Castelo dos Fantasmas,
O Saloio de Alcobaça, etc., não
esquecendo a chamada produção individual, pois cada mestre procurava sempre ter
o seu próprio texto – e muito improviso - como é o caso do Assalto à Casa do Lavrador Avarento, apresentado por Basto Moura.